Algodão da Paraíba: cooperativa resgata tradição algodoeira tipo exportação
16/02/2018 15:09 em O que acontece..

Cooperativa de algodão colorido e projeto estatal incentivam agricultura familiar paraibana.

Desde os sete anos de vida que Manoel Calixto, de 64 anos, é agricultor. Nascido e crescido na zona rural de Ingá, no Agreste paraibano, começou ajudando o pai a arar a terra para plantar “tudo no mundo”, como ele mesmo lembra. Do tudo no mundo de Seu Manoel, o principal sempre foi o cultivo do algodão. Herança agrícola deixada pelos avós e aprimorada por ele somente no ano passado.

Dedicado a plantar o algodão branco deixado pelo avô em meados de 1970, o agricultor adotou o cultivo do algodão natural colorido, uma realidade na economia paraibana há 20 anos, em 2017. A demora, segundo seu Manoel, foi pela dificuldade de plantar algodão sem usar pesticidas e por não ter segurança de encontrar comprador para tanto algodão verde colhido.

O convencimento para “tingir” o algodão de seu Manoel veio primeiro pela ajuda do conhecimento técnico, depois pela demanda da escala produtiva. Técnicos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da Paraíba (Emater-PB) ensinaram uma técnica natural para afastar as pragas na produção do algodão orgânico.

 

A CoopNatural, cooperativa de produção de roupas e acessórios feitos com algodão colorido por meio da Natural Fashion, em Campina Grande, arrebatou a produção do pequeno agricultor de Ingá.

Manoel Calixto é um dos cerca de 50 agricultores que fornecem algodão colorido para a CoopNatural, de acordo com Maysa Gadelha, coordenadora da cooperativa. Toda matéria-prima utilizada pela cooperativa para confecção de camisas e acessórios é proveniente da agricultura familiar ou de pequenos agricultores como é o caso de Seu Manoel.

 

“Utilizamos por ano aproximadamente 10 toneladas de algodão colorido, mas com uma lacuna muito grande com seis longos anos de seca desde o início da CoopNatural, em 2000”, comentou Maysa Gadelha.

 

Além de empregar indiretamente os agricultores do algodão, a cooperativa contribui com a renda de 20 artesãs e 40 funcionários cooperados e micro-empresas que terceirizam partes do processo. A maior parte do algodão colorido comprado é usado na produção de vestuário e acessórios, o restante é transformado em pluma ou tecido e exportado. De acordo com a Maysa, nenhuma parte da produção é perdida.

“Temos produtos do vestuário masculino, feminino, infantil, bebê. Mais o reaproveitamento de resíduos sólidos com que produzimos bonecas e brinquedos além de decoração de casa”, explicou. A loja da cooperativa, a Natural Fashion, tem um catálogo de produtos que podem ser adquiridos pela internet. Segundo Maysa Gadelha, quase 100% dos peças produzidas pela cooperativa são vendidas por e-commerce.

Relativamente distante do processo de transformação do que é colhido por ele, seu Manoel avalia como positiva a participação da cooperativa. Somente em 2017, a comunidade Caiçara, onde fica o roçado de Manoel Calixto, plantou 10 hectares de algodão agroecológico verde. Cerca de 6 toneladas de algodão produzido com técnicas naturais, dos quais uma tonelada foi de responsabilidade de seu Manoel.

 

“O custo é baixo, porque minha família toda me ajuda no plantio e na colheita. É muito melhor trabalhar em parceria com a cooperativa porque a gente já sabe que tudo que a gente colher, vai ser vendido”, destacou.
De acordo com o superintendente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) / Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop) na Paraíba, Pedro Albuquerque, apenas duas cooperativas trabalham com algodão colorido na Paraíba. Além da Coopnatural, a Cooperativa Agrícola Mista de Patos (Campal) também atua no plantio do algodão.

Para Pedro Albuquerque, as cooperativas ligadas à agricultura tem um papel importante porque atuam na organização da produção e comercialização, fortalecendo os pequenos produtores locais perante o mercado. Especificamente, no caso da Coopnatural, ele destaca que a cooperativa contribui diretamente em todas as etapas do processo produtivo.

“A Coopnatural fornece a semente para os produtores do algodão colorido, que depois de colhido é processado na indústria da cooperativa e, em parceria com associações e outras cooperativas, é transformado em produtos artesanais que são vendidos no mercado nacional e internacional”, explicou o superintendente do Sistema OCB/Sescoop-PB.

O incentivo ao plantio do algodão colorido proveniente da cooperativa é um importante complemento na renda daqueles que dependem da agricultura familiar para sobreviver. Manoel Calixto contou que planta algodão, mas não pode depender somente dele. No seu roçado também vai o cultivo de legumes, raízes e grãos. Mas ele garante, “se pudesse, plantaria só algodão”.

O engenheiro agrônomo e assessor-técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da Paraíba (Emater-PB), Geogles Dantas, responsável por acompanhar agricultores de Ingá, incluindo Seu Manoel, relata que a revitalização da cultura do algodão surge como uma alternativa para muitos agricultores familiares.“O agricultor passa a ter assistência técnica gratuita por parte da Emater, além da compra garantida pela CoopNatural. É um plantio sem uso de produtos químicos com a garantia de compra da produção a um preço muito bom”, explicou. O quilo do algodão colorido é vendido a R$ 3. Conforme dados de novembro de 2017 da Emater-PB, a comunidade Caiçara de Seu Manoel arrecadou R$ 17,7 mil somente com a venda de algodão verde.O dinheiro é suficiente para continuar tocando outras culturas, garante Manoel. Parte do que ganha é usado para pagar a terra arrendada onde planta, o restante é para se manter e ajudar suas três filhas, casadas, mas criadas com a renda proveniente da agricultura familiar. “Se a terra fosse minha, a gente teria como plantar mais coisa, mas a gente deve agradecer pelo que tem, pelo que Deus nos dá”, completou.

 

Plantação agroecológica

 

Para chegar a se tornar um fornecedor da CoopNatural, Manoel Calixto Dantas, assim como os demais plantadores de algodão colorido, precisou se adequar às condições da produção orgânica. A primeira e mais importante mudança foi o fim do uso de agrotóxicos ou pesticidas para combater o bicudo, praga que ainda assola muitas plantações algodoeiras.“Eu nunca imaginei que usar detergente com óleo de cozinha funcionaria melhor do que veneno”, confidencia o agricultor. Foi após ser beneficiado pelo projeto Algodão Paraíba, desenvolvido pela Emater-PB, com ajuda da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que Seu Manoel aprimorou o cultivo não apenas do algodão, mas das demais culturas do seu roçado.

O Projeto Algodão Paraíba ajuda a distribuir sementes do algodão colorido e a plantar as sementes de forma que a produção atenda aos requisitos agroecológicos. Vlaminck Paiva Saraiva, diretor-técnico da Emater, destaca que no ano passado o projeto contou com a participação de 40 agricultores familiares, plantando em torno de 40 hectares, com uma produção colhida de 22.559 kg de algodão em rama. “Para 2018 já temos inscritos 283 agricultores familiares para plantar 364 hectares, em 30 municípios”.

 

Algodão da Paraíba

 

Presente no brasão do estado. Propulsor econômico da região Agreste. Responsável por tornar Campina Grande a Liverpool brasileira nos anos de 1940. A relevância da Paraíba na produção algodoeira data do final do Século XIX, com seu apogeu na metade do Século XX e declínio em meados de 1980.

Matheus Guimarães, mestre em História pela UFPB, explica que o aumento da produção algodoeira na Paraíba acompanha o crescimento agrícola vivido em todo o Brasil, em um período denominado pelo historiador Caio Prado Júnior como Renascimento Agrícola.

“A Revolução Industrial, flagrante nesse período, foi puxada pelas indústrias têxteis. Por uma questão política, a Europa diminui a compra do algodão produzido pelos EUA e passa importar grande parte do algodão brasileiro. É nesse momento que a Paraíba ganha destaque nesse setor agrícola”, explicou. No embalo próspero do algodão, foram aprovadas entre 1936 e 1957 seis leis estaduais que incentivaram o plantio na Paraíba.

 
Seis leis estaduais entre as décadas de 1930 e 1950 ajudaram a incentivar o plantio do algodão na Paraíba (Foto: Reprodução/al.pb.leg.br/leis-estaduais)Seis leis estaduais entre as décadas de 1930 e 1950 ajudaram a incentivar o plantio do algodão na Paraíba (Foto: Reprodução/al.pb.leg.br/leis-estaduais)

Seis leis estaduais entre as décadas de 1930 e 1950 ajudaram a incentivar o plantio do algodão na Paraíba (Foto: Reprodução/al.pb.leg.br/leis-estaduais)A profusão dos algodoeiros no início do Século XX foi tamanha, que os governadores da época chegaram a temer que os agricultores deixassem de plantar mandioca, segundo conta Matheus Guimarães. Após a queda de 1980, o algodão voltou ao foco econômico paraibano somente em meados de 1997, após a Embrapa desenvolver sementes de algodão colorido naturalmente com objetivo de fomentar a agricultura familiar.

É neste contexto de relevância produtiva da agricultura familiar e em assentamentos que as cooperativas são inseridas, conforme o superintendente da OCB/Sescoop-PB. “A cooperativa fortalece a agricultura familiar, atuando como agente de desenvolvimento local, e garante um produto final de qualidade. Acho que é um exemplo muito importante para a Paraíba e para todo o país, pois quando se fala em algodão colorido o nosso estado é referência”.

 

De Ingá à Europa

 

Da terra arrendada de 10 hectares em Ingá, Manoel Calixto, talvez sem saber, resiste na tradição paraibana de exportar algodão para Europa. Não diretamente, como os grandes produtores de algodão da Paraíba da metade do Século XX, mas como parte de um processo integrado, cooperado, e genuinamente paraibano.

Com representantes na Espanha, Itália, Noruega, Alemanha, Suíça e Holanda, a CoopNatural exporta em forma de roupa e acessórios o algodão colorido de Seu Manoel e tantos outros agricultores paraibanos. Distante do glamour da moda, Seu Manoel segue colhendo o que herdou. Aprimorando o que o pai lhe ensinou aos sete anos. Mantendo viva uma tradição paraibana centenária.
“Sempre plantei e enquanto vida eu tiver, vou continuar plantando. O algodão é parte da minha história”.
 
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