Ensino superior a distância cresce 712% na Paraíba em 10 anos e ajuda a mudar vidas
15/06/2018 15:05 em O que acontece..

Paraibana de 38 anos foi promovida após concluir curso de EAD em Gestão de Recursos Humanos.

Maria Betânia Oliveira, 38 anos, é paraibana da cidade de Juazeirinho, no Agreste. Foi dona de casa a maior parte da vida e só conseguiu voltar para os estudos tardiamente. Empregada em 2013 como auxiliar de serviços gerais em uma faculdade particular de João Pessoa, Betânia começou um curso de graduação na modalidade de Ensino a Distância (EAD). Após se formar em gestão de recursos humanos, foi promovida e desde então trabalha na clínica-escola da mesma faculdade.

 

A melhora da condição de vida de Maria Betânia é reflexo do crescimento da oferta de ensino superior na modalidade a distância no estado. Um levantamento feito pelo G1, com base nos dados coletados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), identificou que as vagas em cursos superiores de EAD cresceram 712% entre 2007 e 2016 na Paraíba.

Os dados do Inep apontam que em 2007 existiam 992 vagas em cinco polos de EAD na Paraíba, todas em instituições públicas. Dez anos depois, em 2016, o número de vagas em cursos superiores em EAD passou para 8.059 em 77 polos, sendo 7.652 somente em instituições de ensino privadas.

Segundo Maria Betânia, fazer um curso presencial na condição em que ela se encontrava era impossível. “Trabalhava dois turnos, tinha dois filhos para cuidar, uma casa para tomar conta. Até 2013 eu não tinha trabalhado fora de casa e meu marido era quem cuidava das contas, mas comecei a ganhar meu dinheiro e não queria parar de trabalhar. Comecei o EAD porque o horário que eu tinha para estudar era à noite e na minha casa, até porque eu já tinha notebook”, relatou.

Vagas de EAD nas instituições de ensino superior na Paraíba
Crescimento ocorreu em 10 anos, entre 2007 e 2016.
Número de vagas9929922.7852.7852.6342.6344.4934.4934.3044.3045.5945.5946.2166.2167.9877.9877.7747.7748.0598.059Vagas em EAD200720082009201020112012201320142015201602k4k6k8k10k
Fonte: InepE foi conciliando o trabalho como auxiliar de serviços gerais e os estudos em casa, sempre das 20h às 21h30, que Maria Betânia conseguiu concluir o curso e alcançar um diploma de ensino superior. Qualificada profissionalmente, familiarizada com os dispositivos eletrônicos e agora com a autoestima recuperada, Maria comenta que foi preciso muita força de vontade para driblar os obstáculos e concluir o curso.

 

“É normal sentir dificuldade no início, principalmente no meu caso, que não mexia muito em computador. Fui pedindo ajuda aos colegas de trabalho, tirando dúvidas e aprendendo o conteúdo e a usar o computador”, explicou Maria Betânia.

 

A rotina de estudos transformou a rotina dentro de casa. Maria Betânia contou que ao vê-la estudando todos os dias no computador, seus dois filhos, atualmente com 15 e 9 anos, começaram a estudar à mesa com ela. Era o momento em que ela também aproveitava para ficar próxima da família.

 

“Eu passava o dia fora trabalhando, então o horário do estudo era também o de ficar com meus filhos. A gente criou uma rotina para os três, eu ligava o computador, eles abriam o caderno, a gente sentava na mesa. Isso serviu de incentivo para nós”, lembra Maria.

 

Na recepção da clínica-escola da Uninassau, no bairro dos Estados, em João Pessoa, Maria Betânia trabalha diretamente com a gestão de pessoas. Betânia confessa não ter mais medo em mandar um e-mail, ou vergonha por não saber usar o computador. Manuseia o sistema computadorizado de gestão de pessoas da clínica com autoridade, segundo ela. Motivada pela profissão, Maria Betânia Oliveira quer mais, vai buscar formação na gestão em saúde na modalidade EAD.“Trabalhando nos serviços gerais da faculdade, via as pessoas estudando. Fui vendo pessoas que tinham mais idade do que eu, que estavam ali, se dedicando. Aquilo e a perda de uma tia que me incentivava a estudar me acenderam uma chama. Não foi fácil, mas quando a gente se dedica, tem disciplina, a gente chega”, comentou Beta, como é chamada pelos colegas.

A história de Maria Betânia Oliveira é como a de tantas outros paraibanos que encontraram na educação a distância uma caminho para melhorar a condição de vida. Uma Maria entre 10.213 pessoas que conquistaram um diploma de curso superior na modalidade EAD no estado, entre 2009 e 2016. Uma Maria Betânia que, assim como cantou outra mais famosa, sonhou um sonho impossível e lutou quando era fácil ceder.

Nem todas as Marias

 

Fátima Maria Maia, de 65 anos, é dona de casa. Começou em 2013 o curso de licenciatura em letras com habilitação em português na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), pioneira na modalidade EAD na Paraíba por meio do projeto Universidade Aberta do Brasil (UAB) em 2007. Problemas de saúde e de ordem pessoal fizeram com que ela perdesse a rotina de estudos, de acompanhamento das aulas, de entrega dos exercícios.

 

Em 2016, Fátima teve sua matrícula desligada do curso na plataforma da UFPB Virtual. Ela lamentou a situação e elencou o corte do auxílio dos monitores, no polo do curso de letras no campus de João Pessoa, como a principal dificuldade enfrentada.

“Se você estuda, é natural que tenha uma dúvida. Então eu aproveitava os monitores no polo para ter esse momento, porque era um curso EAD. Era o momento também para aprender a manusear melhor o sistema. Mas passei pelo corte de gastos na universidade e tiraram os monitores. Esse corte foi muito ruim para mim”, lembrou.

Divisão das vagas em EAD no ensino superior na Paraíba
Maior número de vagas registrado em 2016 está no setor privado
Instituições privadas: 94,95 %Instituições públicas: 5,05 %
Instituições privadas
94,95 %
Fonte: Inep

Sem os monitores para prestar auxílio e diante de problemas particulares e de saúde, Fátima Maria deixou de cursar letras. Ela lamentou a situação e espera retornar ao curso em breve. Pensa em buscar por vias judiciais sua vaga, mas, por enquanto, concilia os cuidados à sua mãe idosa, com quem mora em João Pessoa, com os estudos para prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

“Ainda tenho os livros todos, o material didático de apoio que eles [da UFPB] fornecem, todos os livros, até de latim. Os livros são maravilhosos. Infelizmente tenho enfrentado um problema de diabetes, tratamentos médicos, mas vou lutar para voltar a estudar”, afirmou.

 

 

Crescimento versus cortes

 

Na contramão do crescimento das vagas em cursos de EAD na Paraíba, a UFPB Virtual, plataforma que integra a UAB no estado, tem enfrentado sucessivos cortes de gastos. A coordenadora da UFPB Virtual, professora Renata Patrícia, explicou que problemas na falta de previsão orçamentária para custear os cursos de EAD na UFPB tem prejudicado a oferta de vagas desde 2014.

“Ficamos com uma ‘janela’ de dois anos, entre 2014 a 2016, sem a entrada de novos alunos. De 10 mil que tínhamos em 2013, atualmente a gente tem uma faixa de 4 mil alunos, mesmo tendo passado um tempo sem ofertar novas vagas”, explicou a coordenadora da UFPB Virtual.As vagas nos cursos de EAD nas universidades públicas são mantidas a partir de editais abertos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), nos quais as instituições públicas de ensino submetem projetos para receber a verba encaminhada pelo Ministério da Educação.

A UAB, criada pelo governo federal em 2007, tem o objetivo principal de formar professores e por isso disponibiliza essencialmente cursos de licenciatura. A professora Renata Patrícia lembra que os primeiros na UFPB Virtual foram letras, matemática e pedagogia.

“Desde o início tivemos ofertas consecutivas, isso ia crescendo, tanto é que em 2008 entraram outros três cursos, criamos o curso de inglês e libras em 2010. Permanecemos nesse cenário até 2013, quando chegamos a ter 10 mil alunos. Em 2014 eram 10 cursos de licenciatura e um de bacharelado, além das especializações”, lembra a coordenadora completando que foi a partir desse último ano que os recursos começaram a diminuir.A queda no investimento do setor público, aliado ao baixo custo de manutenção de um aluno de curso EAD, algo em torno de R$ 1.100, de acordo com a professora Renata Patrícia, explica como as instituições privadas de ensino superior engoliram as públicas em número de vagas no estado.

 

Em 2007, eram 992 vagas na Paraíba, todas em universidades públicas. Em 2008, a oferta foi ampliada para 2.785, ainda todas em universidades públicas.

 

As vagas em instituições particulares surgem na Paraíba apenas em 2009 e já superam as públicas. No total registrado no ano em questão, das 2.634 vagas, 1.264 eram em universidades públicas e 1.370 eram em unidades privadas de ensino. Em 2016, após dois anos de hiato na UFPB Virtual, cerca de 95% dos 8.059 vagas em cursos de EAD paraibanos eram na iniciativa privada.

Mesmo diante da desproporção, a coordenadora da UFPB avalia o projeto como positivo, principalmente por chegar a alunos antes não alcançados pelo ensino superior. “É a forma de você educar o povo, porque a gente chega no Alto Sertão. É forma que temos de interiorizar o conhecimento. É qualificar o pessoal lá do interior para dar aula nos colégios e melhorar a educação”, comentou.

 

 

Superando o preconceito

 

A introspecção na hora do estudo e o preconceito por se tratar de uma modalidade alternativa de ensino ainda são entraves para os cursos de EAD na Paraíba. A ex-universitária Maria de Fátima Maia reclamou da solidão durante os estudos e da dificuldade no contato com alguns professores na hora de tirar dúvidas, embora as idas ao polo da UFPB Virtual tenham funcionado.

Por sua vez, Maria Betânia Oliveira, graduada em Gestão de Recursos Humanos por EAD, afirma que o contato com o corpo docente por meio da plataforma ou por e-mail atendeu às necessidades, ainda que a distância física tenha exigido um nível maior de concentração.

Pelo menos na UFPB, o fato da sala de aula ser uma plataforma virtual não favoreceu uma maior evasão na modalidade EAD em detrimento dos cursos presenciais. De acordo com a coordenadora da UFPB Virtual, Renata Patrícia, a evasão nas duas modalidades beira os 50% dos estudantes que ingressam na universidade. Ela identificou que o principal motivo para a evasão, independentemente da modalidade de ensino, é falta de disciplina dos estudantes.

“Muita gente deixa de estudar para tomar conta dos afazeres domésticos, cuidar dos filhos, cuidar da casa, problemas familiares. Não consegue conciliar o trabalho com o estudos. Quem faz um curso a distância tem que se organizar. No presencial, você vai lá na sala de aula e está resolvido, mas no EAD tem que ser uma pessoa disciplinada, definir uma hora para estudar”, avaliou.

Evolução das matrículas em cursos superiores na Paraíba
Cursos EAD tem aumento percentual maior que presenciais em 10 anos
Número de matrículas69.72369.72376.01576.01577.82977.82988.90688.906101.647101.647107.609107.609117.103117.103127.845127.845136.330136.330136.216136.2167.1087.1086.6786.6789.5789.57810.26210.26212.19012.19014.03014.03016.34416.34417.28617.28617.27617.276Cursos presenciaisCursos EAD2007200820092010201120122013201420152016025k50k75k100k125k150k
2009
 Cursos EAD: 6.678
Fonte: Inep
 

Talvez por exigir uma responsabilidade maior do estudante, o diploma conquistado a partir de um curso feito a distância é ainda suado. Porém, por se tratar de uma forma alternativa de ensino, o que poderia ser considerado uma formação alcançada com mais esforço, acaba sofrendo um juízo de valor que coloca a qualidade dos cursos superiores de EAD abaixo dos presenciais.

A professora Renata Patrícia Jeronymo rechaça o preconceito. Enfática, ela afirmou que na maioria das vezes o mesmo professor que dá aula no curso presencial, ministra as aulas no ambiente virtual. Da mesma forma acontece com a grade curricular.

“Nossos cursos de EAD todos são nota 4, como o do presencial, tanto que é o mesmo diploma. Os mesmos professores que dão aula no presencial, dão aula nos cursos de EAD. A UFPB oferta da mesma forma, a diferença é que a sala da aula é em uma plataforma. O aluno assiste à aula e faz as atividades na casa dele, basta ter acesso à internet”, arrematou.

 

Um futuro presente

 

Para Daniel Infante, um dos diretores da Educa Insights, empresa responsável pelo monitoramento do mercado da educação no Brasil, a tendência de crescimento da educação superior por meio do EAD é tendência perene. Uma pesquisa feita pela Educa Insights divulgada no final de maio deste ano aponta que o número de universitários em cursos superiores de EAD vai superar o de estudantes em cursos presenciais em 2023.

O aumento das matrículas em cursos de EAD na educação superior atende a dois fatores principais: maior oferta pelas instituições por causa do baixo custo de manutenção e uma maior familiarização do público-alvo, mais jovem e que tem maior intimidade com dispositivos de tecnologia.

“O custo do aluno de EAD fica mais baixo quando tem volume, quando o número de alunos matriculados é maior. No caso do público, o que as pessoas querem saber é o custo do diploma. Já é possível perceber algumas alternativas para um ganho de competitividade no mercado da educação, uma maior digitalização dos cursos, mas isso ainda não tem uma validade nos cursos de graduação”, comentou.

 

No caso da Saint Paul, instituição especializada em cursos de graduação e pós-graduação na modalidade de ensino a distância, voltados para o ramo de negócios, uma nova possibilidade é a do estudo feito no que eles consideram micro-momentos. A iniciativa prevê que, com auxílio dos dispositivos móveis, os alunos matriculados podem estudar várias vezes durante a rotina diária, sem ter necessariamente que dedicar um período longo do dia somente para acessar a plataforma.

O diretor acadêmico de pesquisas e de inteligência artificial da Saint Paul Escola de Negócios, Adriano Mussa, explica que esse novo entendimento, batizado de ONLearning, é um processo de aprendizagem sempre ativo, podendo ser um ensino mais orgânico, fluido e constante.

Distribuição das matrículas EAD nas instituições na Paraíba
Dado de 2016 aponta que iniciativa privada domina o ensino a distância.
Setor privado: 12.953Setor público: 4.323
Setor privado
12.953
Fonte: Inep

“Se temos 10 minutos de espera numa sala de espera de um consultório médico, por que não aproveitar esse tempo para aprender algo? E, mais importante, por que esse aprendizado não pode ser parte de uma formação, de uma certificação? O problema hoje é que a maioria das ferramentas de EAD convencionais não foi organizada para isso”, exemplifica.

A possibilidade de um ensino contínuo, mais moderno, ainda é tímida na formação em EAD. Porém, é uma realidade o aumento da utilização dessa plataforma nos cursos presenciais, com a promoção da hibridização dos cursos a distância e presenciais.

 

 

O decreto 9.057 de 2017 do governo federal, que reformou a lei que regulamenta as diretrizes e bases da educação nacional, permitiu que até 20% da carga horária dos cursos presenciais sejam feitas em plataformas de EAD.

 

Daniel Infante, diretor da Educa Insights, avalia essa iniciativa como positiva e prevê uma expansão da hibridização. “Em alguns casos essa hibridização pode ser até de 30%. Em casos de CPC [Conceito Preliminar de Curso] 4, esse percentual pode chegar a 40%. É positivo, mas é um avanço que não deve acontecer na velocidade que deveria”, comentou.

Na Paraíba, a perspectiva é de que a UFPB comece a hibridização no prazo de um ano, conforme estimou Renata Patrícia Jeronymo, coordenadora da UFPB Virtual. Ela destaca que a implantação vai demorar um pouco mais que a iniciativa privada, por um questão burocrática inerente ao setor público.

“Isso precisa ser aprovado antes nos conselhos superiores, mas a UFPB está pleiteando que os cursos presenciais usem 20% da carga horária a distância. Se a gente entender que a EAD é uma solução, podemos até alternar com o presencial e diminuir a evasão e a retenção”, completou a professora da UFPB.

Acompanhando esse crescimento, o Ministério da Educação (MEC), por meio de decretos, a exemplo do 9.057/2017, desburocratiza a instalação de novos polos de EAD.

 

Na Paraíba, por exemplo, os polos EAD passaram de cinco em 2007, todos públicos, para 77 polos em 2016, sendo 40 deles em instituições privadas de ensino.

 

Em nota enviada ao G1, o MEC informou que a ideia do decreto foi de justamente democratizar os polos EAD, que, anteriormente, por conta da legislação, estavam concentrados em poucos estados e em poucas mantenedoras, dificultando a competição entre as instituições. "O MEC acredita na educação a distância como modalidade inclusiva e que propicia a inserção de tecnologia e novas ferramentas de aprendizagem", afirmou o MEC, em nota.

 

Ainda de acordo com o MEC, a nova legislação aprimorou os padrões decisórios, melhorou a gestão e a eficiência na análise processual do setor responsável. O aumento de polos EAD está atrelado à pontuação da qualidade institucional.

À medida que expande as possibilidades, o MEC informou que aumentou também o rigor na fiscalização dos cursos, intensificado ainda mais com o Programa Nacional de Supervisão, que deve ser lançado em 2018. "O MEC acredita na educação a distância como modalidade inclusiva e que propicia a inserção de tecnologia e novas ferramentas de aprendizagem", explicou a nota.

Fonte:https://g1.globo.com

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