Mulher completa 100 anos lúcida, praticando esportes e vai lançar livro sobre como chegar 'bem' ao centenário
O que acontece..
Publicado em 22/02/2022

Anarlete Gondim nasceu em Areia e mora há mais de 60 em João Pessoa. Cresceu em engenho, virou professora, venceu um câncer, lidou com a morte da maioria dos familiares, testemunhou importantes episódios do século 20. Aos 100, se diz feliz e disposta a viver mais.

O mundo era muito diferente em 21 de fevereiro de 1922, cem anos atrás. A Semana de Arte Moderna, por exemplo, tinha sido recentemente encerrada. Pessoas de todos os países acompanhavam com tensão os desenrolares posteriores à Primeira Guerra Mundial. O rádio só chegaria ao país meses depois, em setembro. A Copa do Mundo de Futebol nem mesmo existia. Não havia computador, internet, fax. O carro ainda era um produto para pouquíssimos. As comunicações e as formas de se transportar, precárias. Ao mesmo tempo, havia uma efervescência cultural nas principais cidades do planeta que faziam aqueles tempos serem chamados de Loucos Anos Vinte. Pois é em meio a tudo isso que nasce na pequena cidade paraibana de Areia uma menina chamada Anarlete Gondim Vasconcelos, que segue viva até hoje e chega aos 100 anos esbanjando saúde.

Completamente lúcida, gosta de ler, de fazer bordado de ponto de cruz, de conversar. Gosta muito de conversar, faz questão de enfatizar. De se encontrar com as amigas, os filhos, netos, bisnetos. Gosta também de fazer pilates duas vezes por semana e hidroginástica aos sábados. Ainda por cima, prevê para março o lançamento de seu livro de memórias, que já está escrito e passa atualmente pela fase de editoração.

                          "O negócio é não ficar parada”, ensina ela.

Anarlete nasceu no município do Brejo paraibano. Estudou no Grupo Escolar Álvaro Machado e depois se formou professora no Colégio Santa Rita, ainda em Areia. Foi então para João Pessoa seguir nos estudos. Na capital paraibana, realizou um curso de formação de professores de educação física e depois retornou para a sua cidade natal.De volta a Areia, dava aulas de educação física e costumava também ser a responsável pelos eventos culturais dos estudantes da cidade. Seus alunos chegaram a se apresentar no Teatro Minerva, considerado o primeiro a ser fundado na Paraíba.Da época de escola, tem uma única amiga viva, que hoje tem 101 anos. Mas ela brinca ao admitir as dificuldades de comunicação:

“A gente bate papo até hoje. Mas ela já é meio surda, meio cega. Falamos com muitas dificuldades”, comenta aos risos.

Aliás, a morte é algo inevitável na vida de alguém que já tem 100 anos. Os pais, o marido, nove dos 14 irmãos, um dos nove filhos, todos esses já morreram. Mas ela não reclama. Diz que a vida vale a pena.

"A vida é de altos e baixos. Já perdi muita gente querida. Mas eu ainda tenho gosto de viver. A saudade? Eu entrego a Deus, porque as coisas não são como a gente quer. A gente precisa saber aceitar”, destaca Anarlete.

Uma sobrinha, Anarlete conta, gosta de dizer que ela não é retrovisor. A mulher concorda com o veredito: “Eu gosto de olhar para frente. Tento não sofrer. Não ficar remoendo. Eu quero novidades. Viver o presente com as pessoas que a gente gosta”.

 

Início da vida no engenho e mudança definitiva para a capital

 

 

Durante muitos anos de sua vida, morou no Engenho Santo Antônio, que era chamado também de Carrapateira. O local era autossustentável e ela aprendeu a comer de tudo. Frutas e verduras à vontade, rapadura, comidas regionais produzidas com carne de porco, bode, galinha, vaca. Tudo produzido e criado no próprio engenho.

 

Ainda hoje se alimenta bem, mas em pequenas quantidades. E se declara apaixonada por banana. Ainda assim, sempre foi magra.

Dos tempos de juventude, lembra principalmente da relação com sua mãe, mas fala com carinho também do pai. Garante que era a mais próxima das filhas e destaca um fato em especial. Entre 1944 e 1945, um de seus irmãos, Jorge Cabral, lutou na Segunda Guerra Mundial, para aflição total de sua mãe. “Minha mãe sofria, dizia que não ia mais ver o filho vivo. Mas viu. Ele voltou são e salvo. Mas eu dava muito apoio a ela naqueles tempos em que a comunicação era restrita às cartas”, explica.

Anos depois, casada e já com muitos filhos, resolveu se mudar em definitivo para João Pessoa. Chegou na cidade 60 anos atrás, no início da década de 1960, onde mora até os dias atuais. O objetivo era oferecer uma educação de melhor qualidade à família. Durante muitos anos, trabalhou na secretaria do Lyceu Paraibano, um dos principais colégios do estado. E, hoje, mora na casa de uma de suas filhas, Maria Edelcides, num apartamento no bairro de Cabo Branco.Adora passear na calçadinha da orla de João Pessoa e não perde uma oportunidade de puxar alguém para um papo. Tem a saúde perfeita e vive com total autonomia.

A filha Maria Edelcides é quem atesta isso. “Ela toma banho sozinha, cuida dos próprios remédios, faz o seu bordado. Gosta muito da conversa, do social. Se passa uma pessoa perto dela, já gosta de puxar papo”. A mãe completa: “Sou lúcida. A receita é não ficar desocupada”, ensina.

 

 

Livro aos 100 anos

 

 

Anarlete Gondim é a primeira pessoa de sua família a chegar à marca dos 100 anos. Dois de seus familiares chegaram aos 99, mas ela agora ultrapassa a marca. Para comemorar a data, resolveu contar sua história. Ditou o livro e a filha digitou. Segundo garantem mãe e filha, o texto é fiel ao que foi narrado, sendo portanto de autoria da própria Anarlete.

Vai se chamar “Chegar bem aos 100: vivendo e aprendendo com uma centenária” e tem lançamento previsto para março. A princípio, vai ser restrito aos familiares. Mas, sorrindo, ambas alertam que a família é enorme, de forma que devem rodar um número considerável de exemplares. A primeira parte vai falar sobre o que ela viveu ao longo desses 100 anos. A segunda é com mensagens dos familiares que ainda estão vivos. E sim, ela garante que viveu muitas situações marcantes na vida.Teve um irmão que lutou na guerra, um filho que foi preso na Ditadura Militar, já enfrentou e venceu um câncer quando tinha 64 anos, já sobreviveu a uma infecção generalizada aos 82, já quebrou um fêmur, foi operada, se recuperou e comemorou a recuperação com uma viagem em família para Fernando de Noronha.

Diz que gosta de encarar tudo com muita naturalidade. E sabe se divertir mesmo nas adversidades.

"Quando precisei me operar do fêmur, tomei um banho prolongado, passei talco, perfume e fui para o hospital. Não foi anestesia geral. Na hora da operação, fiquei batendo papo animada com o anestesista”, comenta Anarlete rindo.Por causa da pandemia, as comemorações de aniversário ficaram prejudicadas. Mas ela não abriu mão de se reunir em um almoço com alguns poucos familiares. Ela diz que é uma data importante demais para não ser comemorada.

E, em êxtase pelo centésimo aniversário, ela arremata: “Já houve muitas percalços na minha vida. Mas estou aqui, tendo gosto de viver como centenária”.

Fonte:https://g1.globo.com

 

 

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