30 anos do ECA: vulnerabilidade dificulta garantia de direitos de crianças e adolescentes da PB na pandemia
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Publicado em 13/07/2020

Especialistas apontam vulnerabilidade social como fator de risco na garantia de direitos para crianças e adolescentes, especialmente durante pandemia de Covid-19.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 30 anos nesta segunda-feira (13). A Lei nº 8.069/1990, assinada no dia 13 de julho de 1990, estabeleceu os direitos e deveres de crianças e adolescentes, reconhecendo-os como sujeitos que gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, segundo o Ministério Público da Paraíba. Porém, a garantia dos direitos de crianças e adolescentes encontra barreiras durante a pandemia do novo coronavírus, segundo especialistas da área.

 

Apesar dos direitos garantidos por lei, a professora do curso de pedagogia na Universidade Federal da Paraíba, Ana Luísa Nogueira, explica que reafirmar e aplicar o ECA é difícil porque não se existe o hábito, enquanto cidadão de buscar compreender as leis. Além disso, uma tradição de punição ao menor de idade ainda é bastante forte, segundo a pedagoga, advinda principalmente do Código de Menores - legislação anterior ao ECA, que trazia um tom de discriminatório e punitivista, além de pregar o controle e a repressão.

Ana Luísa foi uma das elaboradoras da nota técnica Garantia de direitos: Escuta das Infâncias, desenvolvida em colaboração com professores e pesquisadores da UFPB e que alerta para a vigilância constante dos direitos das crianças e adolescentes no contexto da pandemia do novo coronavírus. O documento, da Frente de Trabalho Nordeste Criança, aponta desafios de diversas ordens, mas fala principalmente sobre a vulnerabilidade social, violência doméstica e falta de garantia ao estudo, como principais fatores de alerta neste período de pandemia.A pedagoga afirma que é um tempo de muitas incertezas e crianças muitas vezes não compreendem todos os aspectos do que está acontecendo. “De um dia para o outro, o que se percebeu foi que não poderia mais ir visitar parentes, ir para a creche ou escola e ver suas/seus professoras/es e coleguinhas”, explica.

 

Riscos da pandemia na garantia de direitos à crianças

 

Até o Boletim Epidemiológico da Secretaria de Saúde do Estado divulgados neste sábado (10), 49 pessoas de idades entre 0 e 19 anos tiveram casos graves de Covid-19 e 7 mortes de pessoas de 0 a 20 anos foram registradas.

Casos graves de Covid-19 em crianças e adolescentes na Paraíba
Até esta sexta-feira, 10 de julho
Total de casos: 4914145512121616Meninos de 0-9 anosMeninos de 10-19 anosMeninas de 0-9 anosMeninas de 10-19 anos05101520
Fonte: Secretaria de Estado da Saúde

Os riscos para crianças e adolescentes paraibanos durante a pandemia de Covid-19 estão principalmente relacionados à vulnerabilidade social na qual as famílias estão inseridas, segundo a médica Miriam Ferreira, que atua na porta de entrada para a maioria dos casos da doença, na Atenção Básica, na área de Estratégia Saúde da Família.

Estes problemas estruturais foram evidenciados na pesquisa “As ações da Paraíba no enfrentamento à pandemia”, de Henrique Menezes e Lizandra Serafim, pesquisadores da UFPB.

Segundo o estudo, a Paraíba possui 90% dos municípios com menos de 40 mil habitantes, 60% deles têm menos de 10 mil e as vulnerabilidades socioeconômicas dos territórios ampliam os riscos associados à disseminação do novo coronavírus. São municípios majoritariamente pobres (a quase totalidade possui Índice de Desenvolvimento Humano médio ou baixo) e quase 60% dos trabalhadores estão em ocupações informais, o que corresponde a 882 mil pessoas.Refletindo estes dados, a médica da família Miriam observa que as classes sociais menos favorecidas têm habitações menores, o que dificulta o isolamento social, consequentemente estão mais expostos a contaminação pelo vírus. Estas habitações com menos recursos dificultam a possibilidade de crianças e adolescentes manterem os estudos de forma remota e diminuem também as opções de lazer, desencadeando o estresse e a violência familiar. Esses fatores podem levar essas crianças a saírem de casa para buscar outras formas de lazer ou de refúgio. Nessa busca, de acordo com a médica, o menor de idade se expõe à contaminação.

Essa mesma vulnerabilidade social, segundo Miriam, leva os pais ou responsáveis a sairem de casa para buscar o sustento, que muitas vezes têm de fontes de rendas precarizadas, como vendedores ambulantes, empregados domésticos não regularizados, catadores de reciclados, que, novamente, se expõem e expõem crianças e adolescentes da família à contaminação.

 

“Só para ilustrar. Em pelo menos, duas famílias, fizemos o diagnóstico de idosos com Covid-19, e mesmo sem qualquer sintomatologia, convidamos o restante da família para ser testada. Não deu outra. Todos positivos, filh@s, net@s, bisnet@s. Todas conviviam, por questões socioeconômicas. A matriarca era cuidada pela filha, que acolhia netos, para que filha e genro trabalhassem”, escreveu Miriam.

 

A médica questiona como seguir o protocolo de isolamento nessas condições. “Como pedir a uma família de 4 ou 5 pessoas para se isolar, vivem numa casa de 3 ou 4 cômodos minúsculos. Como posso pedir, orientar que idos@s não convivam com os mais jovens? Se, na maioria das vezes, as crianças e adolescentes precisam ficar com avós para as mães saírem para a labuta diária?”.

Um problema de direitos básicos

 

A pedagoga Ana Luísa alerta para a falta de muitas políticas públicas, a exemplo de políticas de renda, saúde e políticas educativas, de acesso aos meios digitais. Segundo a professora, existem também crianças que podem, nesse momento, estar em um ambiente pouco equilibrado emocionalmente, ou até mesmo sofrendo algum tipo de agressão física, psicológica ou sexual. No contexto da pandemia, fica mais difícil profissionais da rede de proteção estarem mais próximos a essas crianças e adolescentes.

O desafio da garantia do direito à educação dentro contexto da pandemia também é enorme para Ana Luísa, pois as atividades remotas que estão propostas em substituição às atividades presenciais não são adequadas a todas as faixas etárias e também não atingem a totalidade das crianças e adolescentes do nosso estado. “Principalmente as crianças das camadas mais pobres de nossa sociedade”, explica.

Entretanto, segundo a acadêmica, faltam principalmente governantes que reconheçam a diversidade da população e a especificidade de cada faixa etária.

 

“E o principal, falta que o poder público, a sociedade e as famílias compreendam que as crianças e os adolescentes são sujeitos de direitos e que tais direitos precisam ser garantidos por todos(as) com absoluta prioridade. Falta cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente, que completa 30 anos e o nosso país ainda não consegue cumprir. E, infelizmente, grande parte da sociedade não consegue compreender sua importância”, afirma.

 

É importante ressaltar que todos esses problemas são apesar acentuados pela pandemia, mas não são específicos deste período. A Secretaria de Desenvolvimento Social de João Pessoa (Sedes) afirma que as maiores violações de crianças e adolescente no estado são a negligência, conflito familiar, maus tratos e agressão (física e psicológica).

Em toda a Paraíba, de janeiro a maio de 2020, foram 149 denúncias realizadas ao disque 123 da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Humano (SEDH), evidenciando 331 violações de direitos contra crianças.Violações de direitos da criança na Paraíba

Entre janeiro e maio de 2020
Negligência: 133Violência psicológica: 83Violência física: 65Abuso sexual: 17Violência patrimonial: 17Trabalho infantil: 10Exploração sexual : 3Ameaça de morte: 2Abandono: 1
Violência patrimonial
17
Fonte: SEDH

Também através do disque 123, a SEDH registrou e 121 denúncias envolvendo adolescentes, evidenciando 252 violações de direitos.

Violações de direitos do adolescente na Paraíba
Entre janeiro e maio de 2020
Negligência: 99Violência psicológica: 58Abuso sexual: 33Violência física: 28Exploração sexual: 18Violência patrimonial: 8Trabalho infantil: 6Ameaça de morte: 2
Abuso sexual
33
Fonte: SEDH

Renato Bonfim, primeiro suplente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), explica que é preciso relembrar o comprometimento de todos com as crianças e adolescentes.

 

“O ECA tá fazendo 30 anos de resistência. Precisamos cada vez mais implementá-lo, conservá-lo e respeitá-lo. Acho também importante lembrar que o ECA veio trazer, à luz da lei, o sistema da garantia de direitos. Eu fui educado e a maioria de nós fomos educados antes dele, mas o ECA, hoje, faz parte de uma política que a gente não pode mais abrir a mão”.

Criando possibilidades

 

A ONG Menino Buchudo nasceu em João Pessoa há dois anos, quando Henrique Dantas presenciou uma abordagem violenta de um segurança de um restaurante com crianças que estavam pedindo dinheiro aos clientes. Após intervir no episódio, ele ofereceu uma carona aos meninos até onde eles moravam e se deparou uma realidade de vulnerabilidade.

Utilizando a portaria do prédio de uma amiga como ponto de entrega, ele e um grupo de amigos iniciaram uma arrecadação via Whatsapp, de forma despretensiosa, com o intuito de ajudar aquela família específica. Com sucesso dessa primeira mobilização, o grupo se expandiu. Hoje conta com cerca de 15 voluntários fixos e também um grupo geral que hoje possui mais de 90 pessoas.

As ações vão desde de ações de arrecadação de alimentos, material escolar, fraldas, material de construção, até petições e abaixo assinados para garantir Saneamento básico e Abastecimento de Água para comunidades do bairro de Mangabeira, em João Pessoa.

Diante da pandemia, foi visto o agravamento dessas vulnerabilidades, o que não só justifica a importância da ONG, mas também sua atuação em ações emergenciais. Uma delas foi solicitar currículos de psicólogos em suas redes sociais, que possam atender nessas comunidades, visto que muitos moradores relataram sintomas de desconforto ou transtornos emocionais.

 

“Se o perigo à saúde por estes fatores externos já é preocupante, a urgência por medidas públicas se faz mais necessária quando estamos falando de crianças que são - em grande parte - desnutridas, por falta de recursos financeiros de suas famílias em tempos normais, que agora, agravam-se pela pandemia”.Apesar de toda a luta, Henrique Dantas e Aline Martinells, também voluntária da Menino Buchudo, ressaltam que é bastante difícil pontuar quais direitos são mais violados, pois todos são. “Reconhecemos que todas aquelas crianças são sujeitos de direito, entretanto, enquanto ONG não nos compete garantir direitos, fazemos ações assistenciais, quem tem tal competência de garantir estes direitos é o Estado, no entanto, utilizamos do nosso espaço para denunciar tais violações”, explicam.

As arrecadações de alimentos e kits de higiene para a comunidade Iraque, no bairro de Mangabeira, também continuam acontecendo, além de denúncias e solicitação da atenção do Estado para a questão da água e saneamento - que já era a causa do adoecimento coletivo na comunidade, segundo eles. A Menino Buchudo pode ser contada através deste link, que também disponibiliza uma planilha de transparência do grupo e uma vaquinha virtual para a comunidade Iraque.

Projeto Beira da Linha também atua nas camadas mais vulneráveis da sociedade. Há 26 anos a ONG atua na Comunidade do Alto do Mateus, em João Pessoa, principalmente no âmbito educativo para crianças e adolescentes. São oferecidos cursos profissionalizantes, oficinas de artesanato, atividades esportivas e encaminhamento de adolescentes e jovens para o mercado de trabalho através do programa de aprendizagem.

Durante a pandemia, distribuições de cestas básicas foram feitas e crianças assistidas pelo Projeto no Centro Educacional Miramangue receberam atividades pedagógicas para serem feitas no isolamento e também foram contemplados com entrega de material didático e ovos de páscoa. O trabalho pode ser acompanhado e apoiado pelo site.

 

Onde procurar apoio

 

Na Paraíba, o principal órgão responsável por garantir ações voltadas a essa faixa etária, além de garantir o cumprimento do estatuto, alinhando-se ao Conanda, é o Conselhos de Gestão em Políticas Públicas Sociais no Estado da Paraíba (CEDCA). O órgão recebe demandas em relação à Política de Crianças e adolescentes da Paraíba e em reunião, encaminha para as comissões que vai planejar estratégia para responder essas demanda. Informações sobre os serviços de atendimento, proteção e garantia dos direitos de crianças, adolescentes e famílias no estado podem ser consultadas no Rede Criança PB, plataforma do CEDCA.A pedagoga Ana Luisa ressalta, ainda, o papel do cidadão de, se ver alguma violação de direitos, denunciar. "As crianças devem ser protegidas com absoluta prioridade. Muitas vezes as pessoas entendem que aquilo ali seria um espaço privado de outras pessoas e se calam", explica.

Denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes em toda a Paraíba podem ser feitas no Disque 123, que atende em plantão diário. O Governo do Estado também está fazendo ações de entrega de produtos básicos, como por exemplo, as 250 mil cestas básicas para as famílias dos alunos da rede estadual de ensino.

A Secretaria de Desenvolvimento Social de João Pessoa disponibiliza para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, que é realizado pelos Cras, junto às famílias cadastradas. Os responsáveis pelo serviço estão mantendo contato com as famílias de forma remota, seja por WhatsApp ou ligação, também fazendo visita em alguns casos para entrega de materiais como cartilhas e ludopedagógico.

Fonte:https://g1.globo.com

 
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