A nova matriz econômica de Trump.
Economia
Publicado em 10/11/2016

Depois do desespero inicial dos mercados globais com a vitória de Donald Trump na eleição americana, as bolsas ontem acalmaram. O movimento deixou a impressão de que houve um temor exagerado em relação às consequências econômicas de um governo Trump.

Muitos compararam a situação à saída do Reino Unido da União Europeia (UE) – pânico inicial, seguido de recuperação. Em ambos os casos, porém, é precipitado tirar qualquer conclusão da volatilidade intrínseca dos mercados. O Reino Unido ainda não saiu da UE. Trump ainda não assumiu a presidência.

Mercados podem até conseguir antecipar o futuro, mas algo só acontece quando começa de fato a acontecer. Mais que o Brexit, o governo Trump terá consequências econômicas dramáticas tanto dentro quanto fora dos Estados Unidos. Embora seja possível antever algumas delas, outras ainda são cercadas de grande incerteza.

No campo externo, a principal e mais óbvia será a inevitável redução no fluxo de comércio global. Trump prometeu acabar com Nafta, TPP e rever acordos comerciais, na tentativa de manter empregos locais. O efeito disso será a redução no alcance ao mercado americano para vários países, e a consequente redução no crescimento global. A velocidade de recuperação da crise de 2008 tende a cair, o desemprego, a aumentar nos países afetados.

Há também um questionamento legítimo sobre as ações de Trump em relação a organismos internacionais como FMI ou Banco Mundial, que funcionam como pára-choques para a economia do planeta desde o final da Segunda Guerra. A influência americana nesses órgãos é determinante (a ponto de serem alvo de eternas críticas da “esquerda global” contra o “imperialismo”). Trump os despreza e os considera burocracias inúteis. Mas há alto grau de incerteza sobre o que fará na prática. Esvaziá-los pode ser dramático par vários países que dependem dos programas deles.

O principal efeito do governo Trump na economia mundial se dará por meio das decisões que ele tomará em relação ao Banco Central americano, o Fed. Na campanha de Trump, a presidente do Fed, Janet Yellen, foi atacada e considerada parte de uma conspiração para tirar dinheiro do bolso do cidadão americano.

Os papeis do Tesouro americano são considerados uma reserva segura de poupança, e a taxa de juros básica do Fed costuma drenar ou irrigar a economia planetária. O aumento esperado para as próximas semanas significará a primeira guinada na política de juro baixo adotada desde a crise de 2008. Enquanto o Fed tiver independência, há pouco que Trump possa fazer em relação a esses movimentos.

Só que o mandato de Yellen acaba em 2018, quando Trump poderá indicar um novo presidente para o Fed. Até lá, também haverá vagas abertas no Fomc, o Copom americano. O principal temor é que Trump use seu poder para fazer indicações políticas, de modo a manipular a taxa de juros segundo seus interesses momentâneos – é um filme que, infelizmente, já vimos passar várias vezes no Brasil. O populismo monetário é uma possibilidade real.

No campo interno, o efeito Trump poderá ser ainda mais nocivo. Suas ideias guardam uma semelhança preocupante com a “nova matriz econômica” implantada pelos governos petistas desde a crise de 2008. Decifrado ao longo da campanha, o programa econômico que reúne as promessas de Trump se traduz em maior dívida pública, mais gastos em infra-estrutura e mais inflação, além do fechamento de mercado – os mesmos ingredientes do keynesianismo barroco que empurrou a economia brasileira ao abismo.

“As propostas econômicas de Trump resultarão em maiores déficits do governo federal e numa carga maior da dívida”, afirma um estudo coordenado pelo economista Mark Zandi, da Moody’s Analytics. “Seus cortes de impostos individuais e corporativos são maciços, e suas propostas de expandir gastos com militares e veteranos são significativas. Dada sua oposição declarada e mudar benefícios como Seguridade Social e Medicare, essa mistura de receitas de impostos mais baixa e poucos cortes de gastos só pode ser financiada por empréstimos substancialmente maiores.”

O estudo de Zandi avaliou três cenários possíveis para as políticas adotadas por Trump. No primeiro, suas propostas são assumidas pelo valor de face. No segundo, ele adota uma versão mais moderada do que prometeu. No terceiro, assume uma negociação com um Congresso mais cético que, embora controlado por republicanos, ainda tem uma maioria fiscalmente conservadora, que tentaria deter o ímpeto gastador.

Considerando apenas os quatro anos do primeiro mandato, sem nenhuma mudança na economia, há hoje uma expectativa de crescimento médio de 2,3%, de alta de 1,2% no nível de emprego e de 2,7% na inflação. No primeiro cenário, o Trump da campanha, esses números iriam, respectivamente, para 0,6%, -0,1% e 3,4%. No segundo cenário, para 0,4%, -0,4% e 3,1%. No terceiro, com a intervenção do Congresso, para 1,5%, 0,6% e 2,4%. Em suma: menos crescimento, menos emprego e mais inflação nos três cenários.

O estudo sofreu algumas críticas, mas a dimensão do corte de impostos proposto não deixa muita margem de manobra à ampliação da dívida pública. De acordo com a estimativa do Tax Policy Center (TPC, ligado à Brookings Institution), os cortes de impostos somam US$ 6,2 trilhões ao longo de 10 anos, algo como 26% do PIB, mais que o dobro dos cortes propostos por George W. Bush ao assumir o poder.

De acordo com a análise do TPC, o alívio fiscal de Trump é desproporcionalmente favorável aos mais ricos. Cortes nas alíquotas do imposto de renda em taxas corporativas dão ao 1% mais alto na pirâmide tributária 50,8% das isenções. Os 0,1% mais ricos teriam corte de 14% no gasto com impostos; os 0,1% mais pobres, de 0,8%. É um plano, portanto, de natureza regressiva.

A lógica keynesiana adotada pelo programa de Trump sustenta que, liberado na economia, esse dinheiro resultará em mais consumo e, portanto, em mais crescimento. O TPC calculou, por meio de dois métodos distintos, um índice que avalia quanto cada dólar a mais na economia gera em crescimento, conhecido tecnicamente como “multiplicador”. Pelo primeiro método, ele seria de 1,7 no primeiro ano, 1,1 no segundo e rapidamente cairia já no terceiro abaixo de 1. Pelo segundo, ele iria de 1 a 1,1, e os efeitos tam∫ém cairiam depois disso.

Assim como a nova matriz econômica de Dilma Rousseff, a política de Trump, se de fato posta em prática, permitirá testar o resultado dos princípios de estímulo fiscal, investimentos em infra-estrutura e proteção à indústria nacional, tão caros à esquerda no mundo todo. Se der errado, Trump pode ao menos ficar tranquilo em relação a um ponto: a Constituição americana não prevê impeachment por crimes fiscais.

Fonte:http://g1.globo.com

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