A invasão do plenário da Câmara dos Deputados por um grupo que pretendia “fechar o Congresso” (foto) e os protestos contra a votação das medidas de equilíbrio orçamentário na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, reprimidas ontem pela polícia, têm um elemento comum, infelizmente frequente na sociedade brasileira: a rejeição à democracia.
Quem apela para a violência quer impedir o diálogo. Quer resolver divergências na marra, ao arrepio das instituições. Acredita-se portador da Justiça, representante das verdadeiras aspirações do povo, sem ter mandato para isso. Considera-se herói numa batalha idelógica contra um mal imaginário, encarnado naqueles que, por meio do voto, escolhemos para nos governar.
A democracia não é um sistema simples nem perfeito. Faz com frequência escolhas erradas nas políticas públicas. É mais lenta para resolver problemas. Mas tem uma qualidade que a torna superior às demais formas de governo: evita a guerra civil. Um partido derrotado nas urnas sabe que terá outra chance, não precisa pegar em armas para tirar os adversários do poder. Impôr diálogo no lugar da violência é a essência do comportamento democrático.
Ao partir para a briga, manifestantes perdem a razão, independentemente do que reivindiquem. É legítimo o incômodo com os jabutis que o Congresso Nacional quer enfiar no pacote de medidas anti-corrupção, de modo a anistiar o caixa dois nas eleições. É compreensível o incômodo dos funcionários públicos com a tentativa de impôr uma cobrança de 30% de seus salários para equilibrar as contas públicas. É direito constitucional protestar contra tudo isso – desde que pacificamente.
Falta aos manifestantes que partem para a briga a compreeensão de uma realidade singela: todos os deputados, tanto na Assembleia carioca quanto na Câmara, têm mandato para tomar decisões a respeito desses temas. Foram eleitos para isso e, por mais incapazes ou corruptos que sejam, é esse o trabalho deles.
O Estado do Rio de Janeiro está quebrado. A folha de salários do funcionalismo, as aposentadorias dos servidores inativos e o númerio de funcionários são proporcionalmente maiores por lá que na média dos demais estados. Não haverá solução para a crise financeira sem corrigir tal distorção. A Assembleia, por inepta que seja, é a instituição com poder para decidir a melhor forma de fazê-lo. As decisões dos deputados têm de ser respeitadas.
A reação dos congressistas para tentar se preservar da Operação Lava Jato precisa ser combatida. Os invasores que ontem apoiavam aos berros o juiz Sérgio Moro temem, com razão, a deturpação das Dez Medidas anti-corrupção e o projeto que começa a tramitar no Senado instituindo leis para coibir o abuso de autoridades. São movimentos de defesa corporativa daqueles cujas falcatruas têm sido desmascaradas nos últimos anos.
Mas a forma de deter o avanço dessas tentativas não é a baderna. Muito menos clamar pela volta da ditadura, um regime violento, que matou centenas de modo arbitrário, impôs o medo e dividiu o país. Quem pede a volta dos militares revela ignorância profunda ou autoritarismo inaceitável. A história ensina que, quando violência e a arbitrariedade suplantam o diálogo democrático, as cicatrizes são profundas e duradouras.
Há formas pacíficas de pressionar os representantes eleitos. Isso já foi feito em inúmeros casos. O mais recente deles foi o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que levou às ruas as maiores manifestações populares na história do Brasil. Protestos pacíficos e denúncias na imprensa têm uma eficácia bem maior que a balbúrdia.
E se, ainda assim, os deputados anistiarem o caixa dois? Pode-se recorrer ao Supremo Tribunal Federal ou pressionar para que o Executivo vete tal artigo na lei. As instituições democráticas oferecem um caminho para que o debate político ocorra dentro das regras. Se, ao fim de tudo, ainda assim leis nefastas forem aprovadas, paciência. Democracia é, na essência, o respeito à divergência. A paz social precisa ser preservada. Sempre haverá outra chance de pegar os corruptos.
Violar a lei ou tentar atalhos anti-democráticos só contribui para desmerecer a causa daqueles que lutam para melhorar o país. Nada pior para o trabalho do juiz Sérgio Moro que associar seu nome à volta da ditadura. A invasão do Congresso mancha o próprio combate à corrupção e presta um desserviço ao país.
Fonte:http://g1.globo.com