De fã mirim a artista consagrada: dia do sanfoneiro marca também a trajetória da mulher no forró
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Publicado em 26/05/2021
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"O que é isso que Luiz Gonzaga está segurando?", foi a primeira pergunta que Lara Almeida, de apenas seis anos, fez ao avô quando assistiu a vídeos do Rei do Baião. Quando descobriu que se tratava de um acordeon, pediu um de presente e hoje se agarra no instrumento de oito baixos "igual ao do amigo Januário". Ela é o início da história de Carol Benigno e também de Lucy Alves. As duas começaram a se apaixonar pela sanfona na infância. Lara é o espelho mostrando o começo de tudo.
Quem é do Nordeste escuta o “arrastar da chinela” ao som de um forró desde muito cedo. Tem o São João como uma das festas preferidas, o fole da sanfona como som que acalenta e Luiz Gonzaga como rei, Sivuca como mestre. Em 2021, pela primeira vez, o dia 26 de maio, data que marca o aniversário de Sivuca, registra também o Dia Nacional do Sanfoneiro, homenageando eles e elas.
Lara é uma dessas nordestinas apaixonadas por sua terra. O São João sempre foi sua festa favorita. Ama forró e tudo que tem relação com a Paraíba. O interesse pela sanfona surgiu quando assistiu um documentário sobre Luiz Gonzaga e Januário junto com o avô.Encantou-se com o instrumento do Rei do Baião e ganhou uma sanfona. Mas isso não bastava. Quem vê Lara, normalmente a encontra com o chapéu de couro, semelhante ao de Luiz Gonzaga. Quem pergunta a ela o motivo do gosto pela sanfona, Lara é bem objetiva:
"Sou fã do acordeon, sou fã de Luiz Gonzaga, sou fã das coisas da Paraíba", diz, segurando nas mãos a sanfona que, segundo ela, é igual a de Januário, pai de Luiz Gonzaga, porque é de oito baixos.
Trajada de Nordeste, por meio de vídeos, Lara também foi apresentada a Lucy Alves, que fez história como mulher sanfoneira.
A influência não poderia vir, se não, por meio do forró e da família. Lucy Alves, multi-instrumentista, nutre uma relação com os instrumentos musicais desde criança, quando por volta dos 4 anos começou a participar da Orquestra Infantil da Paraíba. Foi instrumentista antes de descobrir a voz potente, doce e uma grande aliada em tudo que Lucy quer traduzir por meio da música.“Eu fui fortemente influenciada pelos meus pais, pela minha família. Tenho tios que tocam sanfona e meu bisavô também já tocava a sanfona de 8 baixos. Tá no sangue. Mas resolvi colocar a bichinha no peito quando formamos o grupo musical ‘Clã Brasil’ e precisava de sanfoneiro. Como já tinha tocado piano quando criança e o grupo era formado por mim, minhas irmãs, pai, mãe, Fabiane e Francisco Neto (ambos filhos do maestro Chiquito), resolvi tocar o instrumento. E me apaixonei. Com a sanfona dá pra fazer de um tudo musicalmente”, relata Lucy.
Mas seguir em um caminho marcado por muitos homens, nem sempre é fácil se inserir como uma linha fora da curva. Questionam o peso do instrumento, o motivo de não tocar outro instrumento, o exótico da “mulher sanfoneira”, mas pouco sobre a qualidade instrumentista. Mas foi assim que Lucy Alves ganhou o Brasil quando apareceu em rede nacional, no programa The Voice Brasil, com a sanfona caindo pelos ombros. A voz que se misturava com o ritmo da sanfona era melodia para esquentar o coração do nordestino. Acabou encantando além da região.
“Já houve um tempo onde mulheres tinham aulas de piano e sanfona nas escolas, internatos… Era algo prendado e até de classe para uma mulher ’bacana’. Mas esse protagonismo de mulheres em grandes palcos e liderando bandas e trabalhos musicais com sua concertina eu vejo ficar cada vez mais forte no agora. É um símbolo de força, beleza e mais uma conquista para nós, instrumentistas”, revela Lucy.
Para fugir da comparação com os sanfoneiros, Lucy Alves escolheu acreditar em si mesma. Com o apoio da família, que nunca deixou de reafirmar a importância e competência do Clã inteiro enquanto musicistas, Lucy foi longe. “Paraíba se orgulha de sua cultura e de seus baluartes”, declara a artista.“Num mundo ainda machista e patriarcal nós mulheres tocarmos sanfona é muito potente porque amplia um mundo musical e cultural de nossa região ainda muito dominado por homens. Não é fácil carregar e sustentar um instrumento tão bonito, mas tão pesado e que muitas vezes, por termos um físico mais frágil, nos machuca”, desabafa.Lucy, além de admirada por tantos, também é referência como mulher sanfoneira. Carol Benigna já conquistou muito pelos caminhos que percorreu, mas não esquece que o contato desde cedo com Lucy Alves foi primordial para continuar trilhando seus passos como sanfoneira. “Lucy é uma das pessoas que eu mais devo gratidão, me deu muitas oportunidades de tocar no palco, e se tornou uma referência para mim. Isso foi muito importante na minha construção artística e para me motivou a seguir em frente”, declara Carol.
Na Paraíba, Carol Benigno é uma das integrante do trio de forró pé de serra Maria Sem Vergonha. Natural de Natal, no Rio Grande de Norte, é na infância que a história com a sanfona começa. Claro, nas festas de São João.Desde criança, sempre foi levada para festas de forró, principalmente o Forró da Lua, festa tradicional na região onde morava. Além disso, a avó organizava arraiás para a família e comunidade, e Carol cresceu dentro deles.
Começando pela flauta doce nos instrumentos musicais, Carol entrou no mundo da música. Mas a sanfona nunca saiu da cabeça. "Eu já dizia desde criança que queria tocar sanfona, espontaneamente. Aos dez anos, no meu aniversário, minha avó me presentou com uma sanfona", conta Carol.
A primeira professora, Suzete Sales, a ajudou a iniciar na sanfona. E foi assim que deu o primeiro passo para começar a tocar com alguns amigos em Natal.
Depois, começou a praticar a sanfona de forma autônoma para ganhar repertório. Em 2017, ingressou na licenciatura de música da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) com habilitação em sanfona.
"Quando cheguei em João Pessoa, me apaixonei pela cidade. Fiz parte da Orquestra Sanfônica Balaio Nordeste, montei um trio que é meu xodózinho, o Maria Sem Vergonha, que conta comigo como sanfoneira, Nívea Maria como cantora e triangulista, e Katiuska Lamara como zabumbeira", conta Carol.Tocou com Chico César, Trio Nordestino - no centenário de Luiz Gonzaga, e com o grande Dominguinhos.Hoje Carol vai assumir uma vaga de professora no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) para ensinar sanfona. "É uma missão muito importante e, com toda humildade, quero aprender muito. Vai ser uma grande experiência na minha vida. Me coloco nessa função de aprendiz, de doar os meus esforços para que essa história da institucionalização do ensino de sanfona traga bons frutos", ressalta Carol.
O dia a ser celebrado anualmente, em todo o território nacional, é o dia 26 de maio. A data marca o nascimento de Sivuca, que é natural da cidade de Itabaiana, no Brejo da Paraíba.
Além de compositor e arranjador, Sivuca é um mestre da sanfona, instrumento do qual é um dos principais divulgadores na música nacional e internacional.Sivuca fez sucesso pelo país com seus arranjos que disseminaram a cultura nordestina pelo mundo. Ao lado de sua esposa e também cantora, Glória Gadelha, compôs um de seus maiores sucessos, “Feira de Mangaio”, eternizada na voz de Clara Nunes. Sivuca morreu, aos 76 anos, em 2006, vítima de um câncer de laringe, o qual se tratava desde 2004.
Sivuca completaria 91 anos neste 26 de maio, mas continua marcado na memória não só dos paraibanos, mas também dos nordestinos, de todos que compõem a música brasileira. Está vivo, principalmente, por meio de músicos que fizeram eternizar o ronco do fole da sanfona do mestre Sivuca.
Fonte:https://g1.globo.com