São situações que sugam a energia dos profissionais de saúde. Que esgotam psicologicamente e emocionalmente as equipes hospitalares. “São dias muito exaustivos. Que a gente às vezes pensa em desistir. Não é fácil. Porque não são todos os pacientes que saem vivos. Isso abala”.Por sorte, contudo, ela explica que há um outro lado que ameniza toda a dor. Pessoas que, contra todos os prognósticos, sobrevivem. Recuperam-se. Enchem as equipes da linha de frente de esperança.
Casos como o de um homem idoso, que passou mais de 30 dias internados com Covid-19, sendo 13 desses intubado num leito de UTI, com alto risco de óbito. Depois, acordou, se recuperou, recebeu alta. A gente não acreditava que ele estava saindo vivo”, comenta, explicando que tempos depois, já recuperado, ele entrou em contato com os profissionais do hospital para agradecer. “Isso é um alento”, completa.
A escolha entre quem vai viver e quem vai morrer
A médica Fernanda Tavares, 40 anos, trabalhou por um ano numa ala Covid de um hospital particular de João Pessoa. Em abril, optou por deixar a linha de frente. Estava esgotada. Fisicamente. Mentalmente também. No período que trabalhou, contudo, viu de tudo. Precisou tomar decisões graves. Como, por exemplo, definir entre dois pacientes que estavam na enfermaria qual ocuparia o único leito vago de UTI naquele momento.
“Eu precisei optar”, resume Fernanda Tavares em poucas palavras.
Era um homem de 45 anos e uma mulher idosa de 89 anos. Ambos precisavam ser intubados com urgência. Apenas um leito estava vago. Não houve milagres. O homem foi transferido, intubado e sobreviveu. A mulher não.
“Eu não tinha o que fazer. Era escolher. É uma decisão médica por estatística”, explicou, dizendo em seguida que a mulher era hipertensa, diabética, sequelada de um AVC.
O cotidiano era desumano. Os médicos, em geral, precisavam acompanhar um número de pacientes muito maior do que o ideal por vez. Alguns dias, chegavam a 25 pacientes sob responsabilidade de um mesmo médico, simplesmente porque os casos de internação não paravam de aumentar e não havia profissionais suficientes – o ideal são oito pacientes por médico.
“Às vezes eu nem conseguia almoçar. Era sobre-humano”, prossegue.
Tudo isso ajudou na sua decisão de se afastar. Era uma realidade muito estressante. Que fazia os profissionais terem medo de cometer algum erro.
“Com todo esse estresse, você pode falhar mentalmente, por causa do cansaço. Deixar de pedir um exame ou de aplicar um remédio”, admite. Isso a atemorizava. Ia minando o emocional.
Para além disso, tinha a própria gravidade da doença. Fernanda destaca que, às vezes, deixava um paciente bem, com o quadro clínico estável. Mas, no dia seguinte, ao reassumir o seu posto, esse paciente já estava morto. “Piorava de repente, de madrugada. Morria em pouco tempo”, explica.
Ao longo deste primeiro ano de pandemia, Fernanda Tavares conta que viu de tudo. Mas um caso para ela demonstra o grau de desespero que tomou conta de algumas famílias. Ela explica que, num dia de janeiro deste ano, no auge da crise de oxigênio que tomou conta do Amazonas, chegou ao hospital onde ela trabalhava um homem de Manaus. Ele estava com Covid-19. Aliás, já sabia que estava quando comprou uma passagem, se meteu de máscaras num avião sozinho, e voou para João Pessoa a fim de se internar. Uma cidade estranha, onde ele não conhecia ninguém, onde não tinha uma rede de apoio.Quando Fernanda soube que o homem viajara doente, repreendeu-o. E se surpreendeu com o que escutou. Era um homem de 54 anos. Sua esposa estava internada em estado gravíssimo, penando com a falta de oxigênio na região. “Ele viajou doente e se internou aqui. O filho enterrou a mãe em Manaus e viajou para João Pessoa para ver como o pai estava”, descreveu.
O homem queria rever o filho ao menos uma última vez. Não queria ser intubado antes do filho chegar de viagem, mas isso não foi possível. Desesperado com a incapacidade de se despedir do filho, foi sedado. Mas, nesse caso, ao menos, o pai melhorou. Acordou.
Fonte:https://g1.globo.com