‘É praxe’, dizem, usar recursos captados para pagar eventos de patrocinadores
Investigados pela Operação Boca Livre, da Polícia Federal, os irmãos Bruno e Felipe Amorim admitiram, em depoimento, que organizaram eventos corporativos utilizando recursos captados com empresas privadas por meio da Lei Rouanet. A PF alega que esse dinheiro deveria ser empregado exclusivamente nos projetos aprovados pelo Ministério da Cultura. Segundo os irmãos, porém, oferecer shows e livros que beneficiam os patrocinadores das iniciativas culturais é “praxe” do mercado, uma espécie de “regra velada”.
Felipe e Bruno foram ouvidos na sexta-feira passada na Superintendência da PF em São Paulo. Eles são filhos de Antônio Carlos Bellini e trabalham na Bellini Cultural, principal alvo da operação. A investigação aponta que a empresa é suspeita de desviar até R$ 180 milhões em recursos aprovados pela Lei Rouanet nos últimos 15 anos. Bellini e seus filhos ficaram presos até segunda-feira.
Embora tenha ficado 13 dias preso, Bellini ainda não foi ouvido, segundo seu advogado, Eduardo Zynger.
A acusação afirma que, em vez de desenvolver projetos culturais, o grupo Bellini usou o dinheiro captado junto aos patrocinadores para organizar shows de um humorista e de uma banda de rock em festas de fim de ano para empresas. Os irmãos Amorim não negam que ofereceram essas contrapartidas a seus patrocinadores, mas dizem que não deixaram de fazer os projetos aprovados pela Lei Rouanet.
Segundo eles, a legislação já prevê que a empresa que patrocina uma iniciativa cultural tenha direito a 10% de contrapartida. Se o projeto prevê a publicação de 3 mil livros, por exemplo, a empresa patrocinadora pode ganhar 300 exemplares. Segundo os depoimentos, os empresários pressionavam para que essa contrapartida fosse maior.
NOTAS FISCAIS FRIAS
Se o grupo Bellini não aumentasse a quota de livros ou não organizasse o evento corporativo, poderia ficar sem o recurso para executar seus projetos: “As empresas não têm interesse na democratização da cultura, mas, sim, na promoção de eventos institucionais sem custos”, diz um dos depoimentos.
Os irmãos Amorim também explicaram à PF como era feita a remuneração dos artistas que participavam dos eventos corporativos. Se o projeto cultural aprovado no ministério fosse uma apresentação de música clássica, por exemplo, parte do cachê do maestro iria pagar a contrapartida.
s investigadores dizem que o grupo Bellini apresentou notas fiscais frias para justificar os gastos na prestação de contas ao ministério. Bruno e Felipe disseram que isso aconteceu porque há muita informalidade entre profissionais que trabalham no meio cultural, como produtores, maquiadores e cenografistas. Como nem sempre têm empresas abertas, esses profissionais fornecem notas de outras empresas.
O processo está em segredo de Justiça. O advogado Luis Carlos Dias Torres, que defende Bruno e Felipe, disse que não poderia comentar o depoimento dos seus clientes, mas garantiu que os projetos aprovados foram entregues:
— Todos os projetos foram realizados. Não há desvio de dinheiro público. Não há peculato. Há, no máximo, desvio de finalidade do dinheiro captado com certa anuência dos patrocinadores.
Rádio Caruá Fm
Com Globo.com