Dilma não é precedente para Cunha
Política
Publicado em 07/09/2016

A condenação da ex-presidente Dilma Rousseff no Senado levantou uma questão: o fatiamento das penas poderá valer também para o deputado Eduardo Cunha? Se condenado no Plenário da Câmara, Cunha poderá também ser punido sem que perca o direito a concorrer nas próximas eleições? 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fez uma consulta à assessoria jurídica da Casa a respeito do assunto. Ele certamente será levantado pela defesa de Cunha no julgamento previsto para a noite da próxima segunda-feira. O deputado Carlos Marun, aliado de Cunha, já sugeriu que o plenário vote não o parecer aprovado no Conselho de Ética, mas um “projeto de resolução”, que permitiria uma pena mais branda.

A sugestão de Marun não tem chance de prosperar. O tal “projeto de resolução” só está previsto no Código de Ética da Câmara para três infrações, descritas no artigo 5º: revelar informações protegidas por sigilo, usar verbas de gabinete sem respeitar as regras ou ou relatar matéria de interesse de algum financiador de campanha. O parecer que pede a cassação de Cunha está baseado no artigo 4º (inciso V), que prevê perda do mandato para o deputado que “omitir intencionalmente informação relevante ou, nas mesmas condições, prestar informação falsa nas declaraçõs de que trata o art. 18 (que discorre sobre declarações de renda)”.

“Durante anos o Deputado Eduardo Cunha omitiu a? Câmara dos Deputados e nas sucessivas declarações de imposto de renda apresentadas a? Receita Federal a titularidade de milhões de do?lares no exterior”, escreveu o deputado Marcos Rogério no parecer aprovado pelo Conselho de Ética.

 

Por cautela, Marcos Rogério preferiu excluir do relatório a acusação de que Cunha recebeu vantagem indevida no cargo, embora ela esteja sobejamente comprovada por depoimentos de delatores da Operação Lava Jato e transferências bancárias para as contas que ele controlava no exterior. Tal acusação também violaria o artigo 4º (inciso II), além do artigo 55, parágrafo 1º, da própria Constituição, de acordo com o qual são incompatíveis com o decoro parlamentar “o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.

É verdade que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu em várias ocasiões separar a suspensão de direitos políticos e a perda do cargo público. “No caso específico dos parlamentares, essa relação natural entre suspensão dos direitos políticos e perda do cargo público (...) não se estabelece como consequência natural”, escreveu o ministro Teori Zavascki num voto de 2013. Mas não se pode confundir perda de direitos políticos com inelegibilidade. Quem perde direitos políticos não perde apenas o direito de se eleger, mas também de votar, argumentou o ministro Luiz Fux em três ações relatadas em 2012.

A inelegibilidade dos condenados nos processos de cassação na Câmara dos Deputados está claramente estabelecida pela Lei Complementar 64, de 1990 – conhecida, por sinal, como "lei da inegibilidade". São inelegíveis para qualquer cargo, por um período de oito anos posteriores ao término da legislatura, parlamentares que perderem o mandato por infringir os incisos I e II do artigo 55 da Constituição, diz o artigo 1º dessa lei. O inciso II do artigo 55 afirma que perderá o mandato deputado ou senador “cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar”. É exatamente esse o caso de Cunha.

Não há, portanto, relação alguma entre a condenação de Dilma – à perda de mandato, sem suspensão de direitos políticos – e o julgamento de Cunha. Eles são regidos por legislações distintas. No caso de Dilma, os artigos 85 e 86 da Constituição, além da lei do impeachment, de 1950; no de Cunha, o artigo 55, a Lei Complementar 64 e o artigo 4º do Código de Ética da Câmara. Se condenado, Cunha estará portanto inelegível por oito anos depois do final do atual mandato. Não há dúvida alguma a respeito. Se houver um mínimo de coerência com a legislação em vigor, a consulta solicitada por Maia será desfavorável a Cunha.

Fonte:http://g1.globo.com

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