Defensoria pede suspensão de demolições no Porto do Capim, em João Pessoa, durante pandemia
09/09/2020 10:50 em O que acontece..

Resíduos de demolições feitas pela Prefeitura de João Pessoa são deixados no local, comprometendo moradia e saúde de quem permanece na comunidade tradicional.

Uma ação civil pública ajuizada nesta segunda-feira (7) pede a suspensão de demolições na comunidade do Porto do Capim, localizada no bairro do Varadouro, em João Pessoa, enquanto durar a pandemia de Covid-19. A ação, da Defensoria Pública do Estado (DPE), também pede que sejam retirados os resíduos e entulhos dos imóveis que já foram demolidos e que seja determinada uma indenização de R$ 100 mil por danos coletivos à comunidade.

 

O G1 entrou em contato com a prefeitura de João Pessoa, mas até a publicação da matéria não obteve resposta.

Moradores da comunidade Porto do Capim criticaram nas redes sociais a ação da prefeitura. Eles afirmam que as demolições feitas ao longo do mês de agosto, na localidade conhecida como Vila Nassau, estão causando aglomerações na comunidade, e agentes da prefeitura foram vistos sem máscaras. Além disso, resíduos de casas demolidas em 2019 ainda não foram retirados do local, o que causa danos nas moradias de quem permanece na comunidade.

A prefeitura afirma que os trabalhadores usaram os EPIs necessários, que os moradores retirados expressaram voluntariamente o desejo de serem inseridos no empreendimento do Residencial Vista Verde, e que todas as medidas foram tomadas para preservá-los.A Defesa Civil informou ao G1 que foram, no total, 19 famílias retiradas nas recentes demolições feitas em 19 de agosto, na área da comunidade conhecida como Vila Nassau. Segundo o órgão, o protocolo é demolir a casa logo após a retirada dos moradores, para que não haja novas ocupações, por isso as demolições teriam sidos feitas durante o período de pandemia. O órgão afirma ainda que o local não é seguro e oferece riscos à população.

 

Violações de direitos

 

De acordo com a ação da Defensoria Pública do Estado, as demolições realizadas pela prefeitura com o objetivo de dar continuidade à construção do parque geraram resíduos e danos que não foram retirados nem reparados. A manutenção dos entulhos na comunidade descumpre as normas ambientais de âmbito municipal e federal, já que estes restos estão em locais inadequados, como lotes de terreno não edificados e passeios.

Segundo a ação, foi realizado acordo entre a prefeitura e alguns moradores do Porto do Capim que desejam sair do local e as demolições consequentes visam evitar a ocupação das casas vagas por outras pessoas.

Porém, a medida causa danos à população que não aderiu ao acordo, segundo a DPE. "Uma vez que os resíduos e danos provenientes das demolições não estão sendo removidos ou sanados pela Prefeitura Municipal, causando, assim, uma série de violações aos direitos da comunidade tradicional ribeirinha", dizem os defensores.

Os defensores pedem que a prefeitura não adote qualquer medida de remover ou realocar moradores que não desejem sair voluntariamente da comunidade ribeirinha, até que seja suspenso o estado de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19.

Além disso, os resíduos e entulhos dos imóveis que foram demolidos devem ser retirados e uma indenização no valor de R$ 100 mil foi solicitada, por danos morais coletivos. O valor deve ser depositado em favor do Fundo Estadual da Defensoria Pública, como forma de compensar os danos causados.

Demolições violentas

 

A defensora pública Lydiane Ferreira acredita que uma conciliação ou conversa não está sendo feita com a comunidade: “a prefeitura está deixando os escombros, sem limpar os entulhos, como forma de forçar aqueles que não desejam sair", diz.

Uma notícia-crime encaminhada ao Ministério Público Federal, em 25 de agosto, pelo Fórum de Patrimônio Cultural de João Pessoa, ressalta o caráter das ações como violações de Direitos Culturais e Direitos Humanos.

O documento diz que as demolições realizadas em 2019 foram feitas de forma violenta, provocando, dolosamente, danos à moradias vizinhas, como rachaduras e infiltrações.

Além disso, a denúncia ressalta que as violências se agravam durante a pandemia. Novamente, demolições violentas estão acontecendo; resíduos das casas retiradas não estão sendo recolhidos; e os assédios aos moradores que permanecem na comunidade estão sendo reiterados, de acordo com o documento.Rayssa Holanda, líder comunitária e integrante da Associação de Mulheres do Porto do Capim (AMPC), afirma que aglomerações de trabalhadores das obras têm sido frequentes na comunidade. Segundo ela, durante os dias das demolições, é possível encontrar mais de 50 pessoas se aglomerando na área.

Junto com sua irmã, Rossana Holanda, presidenta da AMPC, as duas formam parte da resistência local ribeirinha, defendendo a comunidade tradicional, que reside no território há mais de 70 anos.

“É muito contraditório os gestores, os secretários dizerem que estão obedecendo os protocolos. Que protocolo é esse que a gente encontra agentes da prefeitura sem máscara na comunidade? Encontramos agentes da prefeitura aglomerados dentro da comunidade, fazendo pressão psicológica”, indaga.

 

Rossana explica que várias casas da comunidade são conjugadas, então, ao demolir uma residência, o imóvel vizinho é afetado e entulhos são deixados no local, sem responsabilidade humana e ambiental.

Além disso, ela relata que muitas vezes as remoções de casas onde os donos acordaram em sair são feitas sem agendamento com os moradores - é sempre uma ação impositiva, sem participação e sem consulta prévia com a população. "Por ser um território tradicional ribeirinho, existe toda uma dinâmica e uma cultura de tradicionalidade que não está sendo respeitado. Ou seja, todos direitos dessa população estão sendo violados", afirma.

 

Saídas involuntárias

 

Rossana conta que pressão social e psicológica por parte do poder executivo municipal e seus agentes, para que os moradores saiam da região, sempre existiu. "Eles ligam de forma insistentemente para as pessoas e família residentes".

A defensoria aponta que a gestão municipal não só traz grandes equipes para a comunidade para realizar as demolições, mas também manda agentes de casa em casa, para tentarem negociar com moradores que decidiram não sair do local. Além disso, o lixo e entulho causado pelas demolições causam danos às casas que permanecem na comunidade.

 

“O que esses entulhos implicam nos moradores que resistem, que dizem que querem ficar sim no território e que não querem aceitar nenhuma proposta que não seja de forma participativa, é na desqualificação da moradia, da área, e a gente entende que é muito muito articulado; muito bem pensado essa forma de agir da gestão municipal, porque ele desqualifica, para poder retirar”.

 

O procurador do cidadão do Ministério Público da Paraíba, José Godoy, afirma que existe uma clara violação de direitos humanos acontecendo no local. O procurador observa uma inversão de papéis, pois ao invés de limpar a ruas, a Prefeitura de João Pessoa estaria supostamente sujando vias públicas. “E me parece fazer isso de propósito para que a vida dos moradores fique difícil e com isso forçam esses moradores a sair”, afirma.

A prefeitura de João Pessoa diz, através da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), que foram as famílias que procuraram a Secretaria de Habitação pedindo para serem incluídas no auxílio moradia por não se sentirem seguras em continuar no local.

Entretanto, a decisão de sair do local por partes dos moradores, bem como a procura da população pela prefeitura está sendo questionada. Segundo José Godoy, ao deixar entulhos das demolições, o poder executivo do município suja as ruas e o faz de propósito, com o objetivo de afirmar que aquela população vive em um ambiente vulnerável e insalubre. “Sendo que essa vulnerabilidade e essa insalubridade é provocada pelo ente municipal”.

Mesmo durante a pandemia, a saúde e integridade dos moradores do Porto do Capim não estão sendo prioridades, segundo a população. A líder comunitária Rayssa conta que o processo de remoção das casas tem sido negligente: após a demolição, o imóvel é lacrado e ninguém consegue ter acesso. No local, os entulhos permanecem, criando focos de doença como dengue ou prejudicando a estrutura de casas vizinhas.

 

“E a gente ouviu, a gente que é da liderança, ouviu da própria boca das moradoras dizem assim: eu não estou saindo porque eu queria sair daqui, eu estou saindo porque a minha casa está enchendo de água, porque o esgoto está entupido… minha casa tá enchendo de água porque as paredes estão rachadas, porque quando a prefeitura demoliu a casa do vizinho impactou na minha casa”, relata Rayssa.

 

 

Suspensão das demolições em trâmite

 

O MPF na Paraíba havia entrado, em 31 de julho de 2019, com uma Ação Civil Pública para que fossem suspensas as obras da Prefeitura de João Pessoa do Parque Sanhauá, na comunidade do Porto do Capim, incluindo a localidade conhecida como Vila Nassau.

Na ação, o MPF defende o direito da comunidade tradicional ribeirinha do Porto do Capim de permanecer no local onde se encontra instalada há mais de 70 anos. O procurador José Godoy explica que a ação ainda está em trâmite da justiça e aguarda o julgamento, por isso, o órgão ainda poderia dialogar e tentar convencer os moradores que desejassem sair.Rossana Holanda afirma que este processo judicial que se encontra em trâmite, na primeira instância, mas o juiz deu uma liminar favorável a prefeitura. "Isso não quer dizer que a prefeitura ganhou o processo e sequer ganhou nessa primeira instância. Isso só significa que é uma decisão favorável para prefeitura e que cabe recurso para derrubar esse liminar ainda na primeira instância".

A líder diz que o ente municipal utiliza de informações falsas, dizendo que o processo judicial da comunidade já foi perdido e não tem possibilidade nenhuma de recorrer. Por isso, a prefeitura estaria implementando a proposta do Parque Ecológico Sanhauá, de forma tão impositiva.

A primeira etapa do projeto foi entregue pela Prefeitura de João Pessoa no dia 6 de fevereiro de 2020. A cerimônia foi de entrega da revitalização e ampliação da Praça Napoleão Laureano, conhecida como 'Praça do Relógio'. Durante a ocasião o coletivo Porto do Capim Em Ação, composto por moradores da região, fez um protesto contra a obra.

FONTE:https://g1.globo.com

 
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