Preso por chacina na Espanha foi à Europa pelo sonho de jogar futebol.
Geral
Publicado em 12/11/2016

Patrick Gouveia fez testes em clubes da Inglaterra e Portugal, conta tio.
Walfran Campos, ex-jogador, ajudou sobrinho em busca da carreira.

Antes de se transformar no assassino confesso da família brasileira esquartejada em Pioz, na Espanha, François Patrick Gouveia tinha o sonho de seguir os passos do tio, Walfran Campos, e se tornar jogador profissional de futebol na Europa. A viagem de Patrick ao velho continente, que culminou com o assassinato dos tios e dos primos, começou com uma aposta do jovem em integrar as categorias de base de algum clube da Inglaterra. Até chegar à Espanha, na casa do tio Marcos Campos, uma das quatro vítimas da chacina, Patrick Gouveia havia morado na Inglaterra e em Portugal. Nos dois países, chegou a fazer testes, passou por avaliações nos clubes locais, mas uma lesão no joelho o impediu de dar continuidade à carreira.

Após a frustração, distante da família, Walfran, ex-atleta profissional e mentor de Patrick em busca do sonho de ser jogador, fez o que qualquer parente faria. Pediu a Marcos que recebesse Patrick, que ajudasse o garoto no tratamento do joelho na Espanha. E foi nesse momento que “começou toda a tragédia”, como afirma Walfran Campos.

O garoto carinhoso e prestativo à família, como descreve o tio ex-jogador, mudou de comportamento no período em que passou a morar na Europa. “Ele criou coisas na cabeça dele que só Deus sabe. Criou raiva do meu irmão e sua família ao ponto de matá-los. Porque nada justifica. O meu irmão o recebeu em casa. Se meu irmão não quisesse ele, não quisesse ajudar, não o receberia”, explica Walfran.

Marcos chegou a comentar com a família no Brasil em mensagens de áudio, que vieram a público após serem divulgadas por uma rádio espanhola no dia 3 de novembro de 2016, que estava desapontado e preocupado com Patrick. “Eu te digo hoje, de todo o coração, hoje eu recebo Patrick, e atendo Patrick, e escuto Patrick por Soraia e François [pais do suspeito]. Porque Patrick me decepcionou muito. O Patrick que a gente conheceu, que a gente conheceu aí no Brasil, não tem nada a ver”, disse Marcos em uma das mensagens.Walfran, irmão de Marcos e tio de Patrick, o elo entre vítima e suspeito, comentou que jamais desconfiou que o sobrinho, o rapaz que o chamava de herói, pudesse ser capaz de matar quatro pessoas da própria família a sangue frio. “Você nunca vai imaginar que uma pessoa próxima pode fazer algo desse tipo. Se eu soubesse de alguma coisa, poderia ter antecipado tudo”, lamenta. Ele explica que demorou a acreditar que o responsável pelo massacre da família era Patrick, até porque o próprio sobrinho em João Pessoa, após retornar da Espanha, negou que tivesse alguma relação com o crime.

A relação de Walfran e Patrick sempre foi próxima. Quando pequeno, era comum Patrick procurar o tio, então jogador de futebol, para pedir que ele o ajudasse em seu sonho. Walfran Campos, naquela altura, havia jogado no Botafogo-PB, Campinense, Ceará e passado um período de três anos no futebol português. O sonho de infância se tornou em um desejo palpável na juventude, apesar da vontade da família em tornar Patrick médico, assim como seu pai. Walfran conta que por conta disso, demorou a ajudar o sobrinho na questão, porque sabia que o futebol era uma área menos estável que a medicina.

“E ele sempre comentava comigo, ‘tio, eu quero ser jogador de futebol, me ajuda, me ensina, me mostra como chegar lá, me dá os caminhos’. Isso quando tinha oito, 10 anos de idade, até chegar na idade que chegou hoje. Ele tinha a mim como um exemplo. Como uma pessoa a seguir. Ele dizia ‘tio, tu é meu herói, tu é meu amigo’. Dentro do que eu pude, porque eu sempre incentivei ele a estudar. Porque os pais, como todos sabem, são médicos, empresários, então encaminharam ele para esse lado profissional. E eu não quis influenciar para o outro lado”, lembrou.Patrick chegou a treinar futebol em João Pessoa, após deixar o Pará, mas o sonho no mundo da bola não passava pelo Brasil. O jovem queria construir uma carreira na Europa. Em um clube inglês. Obcecado em concretizar a carreira como jogador, Patrick só avisou que viajaria para Europa, para fazer testes nos clubes ingleses, quando já havia comprado as passagens de avião. A pedido da irmã, mãe de Patrick, Walfran foi até o apartamento em que o jovem estava morando, em João Pessoa, um dia antes da viagem rumo a Londres.

Walfran explica que Soraia, mãe de Patrick, estava preocupada com a decisão do filho e pediu que o irmão aconselhasse, que ajudasse o jovem a se encaixar na empreitada. “Ele decidiu do nada, da noite para o dia, ir embora. Não avisou a ninguém, nem a mim, nem a ninguém. Quando eu descobri da sua viagem para a Europa, eu fui até a sua casa. Minha irmã me ligou. ‘Wal, vai ao apartamento que Patrick está indo embora e não avisou a ninguém. Os pais dele estavam no Pará e ele ia embora sem avisar a ninguém”, comentou.

A conversa entre os dois aconteceu horas antes do embarque, marcado para meia-noite daquele dia. Segundo Walfran, foi na noite da conversa que antecedeu a ida de Patrick para Europa, que ele acabou conhecendo Marvin Henriques Correia, amigo do sobrinho que foi preso em João Pessoa suspeito de ser partícipe no crime. O irmão de Marcos conta que notou um comportamento estranho por parte de Marvin e que chegou a alertar a irmã, Soraia, sobre a amizade dos dois.

“Eu achei esquisito o comportamento dele nesse dia. [Marvin] era um cara totalmente esquisito, sinceramente. Até comentei isso com a minha irmã. Falei ‘poxa, teu filho tá com um cara lá no apartamento com um comportamento esquisito’. Eu não o conhecia, passei a conhecer nesse dia. Eu achei esse cara muito louco. Ele junto com Patrick rindo do nada, uma coisa muito esquisita”, relatou Walfran.Naquele dia, o tio, ex-jogador, orientou que Patrick fosse direto para Portugal, por ter amigos no país, pessoas que poderiam ajudar o jovem a se encaixar em algum clube. Mas Walfran conta que Patrick tinha o objetivo fixo de iniciar a carreira na Inglaterra, por ser fã do futebol inglês, por ter o sonho em fazer parte da categoria de base algum clube de lá.

“O sonho dele era Londres. Jogar no Chelsea, no Manchester City, no Manchester United, mesmo esses dois não sendo de Londres. Até mesmo Londres tem muitos clubes, são mais de 400 clubes por ali. E ele disse ‘tio, é melhor para mim porque tem mais clube, eu já dei uma sondada”, relembrou o tio. Diante da decisão do sobrinho, Walfran ligou para ex-colegas de profissão em Londres, em busca de facilitar o acesso do sobrinho.Os testes foram feitos, mas o jovem não se encaixou. Uma lesão do joelho o atrapalhava. Talvez o clima frio londrino, completamente oposto ao tropical paraibano, ou as más condições de treino, como ressalta o próprio Walfran, prejudicaram Patrick nas avaliações feitas nos clubes ingleses. Sem alternativas, ele procurou o tio, seu mentor no futebol, e decidiu seguir o conselho inicial. Arrumou as malas e foi para Portugal, onde o parente havia jogado por três temporadas e conhecia mais pessoas.

Em terras portuguesas, Patrick chegou a integrar um time na Ilha da Madeira, na cidade de Funchal, mas a lesão no joelho voltou a impedi-lo, e aos poucos o jovem via o sonho cada vez mais distante. “Ele se desesperou. Porque ele queria ser jogador e via que o sonho ia complicando cada vez mais por conta do joelho. Ele era um garoto novo, com 18 anos, um metro e oitenta, talvez um pouco mais, de boa estatura. Tinha qualidade para chegar, tinha chance, mas o joelho atrapalhava”, explicou Walfran.

Para seguir acreditando na carreira nos campos, Patrick precisava tratar a lesão. O joelho doía, não permitia que treinasse. E foi neste momento, vendo que o pupilo não tinha opção além de procurar acompanhamento médico, impotente pela distância de um oceano atlântico, que Walfran recorreu a única pessoa que poderia dar apoio e entender o problema que o sobrinho passava: Marcos Campos, seu irmão, tio de Patrick, que naquela altura vivendo ao lado, na Espanha.O pedido para Patrick morar com Marcos

Uma ligação telefônica entre Walfran e Marcos, um pedido de ajuda ao sobrinho de ambos, acabou dando início a um relacionamento que culminou na morte do próprio Marcos e de sua família: Janaína Américos e seus dois filhos, David e Maria. Ao falar pela primeira vez sobre a possibilidade de receber Patrick, Marcos chegou a dizer “Patrick é meu sobrinho. Eu o amo, faço isso por ele, por minha irmã, pelo meu cunhado. Pode mandar ele vir”.

Com a ajuda de Walfran, Marcos e Patrick trocaram mensagens, se encontraram e moraram juntos por cerca de quatro meses. Um convívio relativamente curto, mas suficiente para que o jovem despertasse motivos para executar tios e primos.

Pelo que conta Walfran Campos, não foram somente as portas da casa que tinham sido abertas, ou ainda o carinho familiar oferecido, Marcos ajudou Patrick a superar a frustração com o futebol. Tentou encontrar um emprego no período em que o jovem não podia jogar bola devido à lesão no joelho. “Era muito difícil por ele não ter a documentação. Mas mesmo assim, Marcos ainda conseguiu, por alguns dias, trabalho para Patrick no restaurante onde ele trabalhava. Para que ele ganhasse um extra e ocupasse sua mente. Para que não ficasse o dia todo com a mente vazia dentro de casa”, avaliou.Custa à família Campos acreditar que Patrick foi capaz de um ato brutal, um crime que o próprio jovem confessou perante as autoridades na Espanha. Mais difícil ainda é identificar o exato momento no qual ocorreu a mudança de comportamento que transformou a viagem para Europa em busca do sonho de se tornar jogador de futebol na jornada de execução e esquartejamento de um casal e duas crianças, a família que acolheu e ajudou seu próprio algoz.

Instabilidade emocional reconhecida pelos parentes no Brasil. Frustração pela lesão e pela carreira natimorta. Indisposição com os familiares que tentaram ajudá-lo a superar o revés. O tio herói de Patrick preferiu não se arriscar a entender o que teria passado pela cabeça do então pupilo no dia 17 de agosto na pequena casa de Pioz. “Não sei o que aconteceu para que ele criasse um ódio que chegasse a esse ponto. Eu, nossa família, nesse momento, só queremos justiça”.Transcrições: As relevações de Walfran Campos sobre a ida de Patrick à Europa

Conversa com Marcos sobre a Espanha
"Eu, quando era mais jovem, era jogador do Botafogo [da Paraíba] e fui jogar na Europa, como vocês todos já sabem. Fui tentar a vida como jogador profissional lá. Tive três temporadas lá, 96, 97 e 98, na Europa, e achei uma maravilha. Qualidade de vida tremenda, a nível geral. Com saudades do Brasil, dos amigos, quis retornar. Tinha um contrato de mais quatro anos na Europa, mas não quis ficar. Com saudade retornei ao Brasil e comentei com meu irmão [Marcos]. Eu disse ‘Marcos, um dia se eu tiver de morar, voltarei para a Europa, em especial a Espanha, porque é um país belíssimo. Eu fiquei encantado, apaixonado pela Europa, e comentei isso com ele. Dentro desse contexto ele foi criando o sonho de querer ir morar lá também. Ele tinha vontade, na verdade, de morar nos Estados Unidos, mas como nos Estados Unidos tinha o bendito visto, uma dificuldade maior, ele, com o que eu já tinha comentado sobre a Espanha e com a oportunidade de um amigo de ir morar lá, então ele uniu o útil ao agradável e foi morar lá anos depois".

Sonho de Patrick
"Como todas as crianças aqui no Brasil: ser jogador de futebol, ser famoso, ser rico, conhecer o mundo. Patrick também tinha esse sonho. E ele sempre comentava comigo, ‘tio, eu quero ser jogador de futebol, me ajuda, me ensina, me mostra como chegar lá, me dá os caminhos’. Isso quando tinha oito, 10 anos de idade, até chegar na idade que chegou hoje. Ele tinha a mim como um exemplo. Como uma pessoa a seguir. Ele dizia ‘tio, tu é meu herói, tu é meu amigo’. Dentro do que eu pude, porque eu sempre incentivei ele a estudar. Porque os pais, como todos sabem, são médicos, empresários, então encaminharam ele para esse lado profissional. E eu não quis influenciar para o outro lado. Deixei que os pais, junto com ele, decidissem o melhor caminho. Mas sempre que ele me perguntava, eu dizia ‘estude, porque seus pais venceram na vida estudando, e tente à parte jogar futebol. Para que caso você não dê certo no futebol, você possa trilhar seus caminhos no estudo como seus pais’. Eu sempre orientei isso. Mas como ele tinha esse sonho, uma vontade grande de jogar futebol, ele decidiu do nada, da noite para o dia, ir embora. Não avisou a ninguém, nem a mim, nem a ninguém. Quando eu descobri da sua viagem para a Europa, eu fui até a sua casa. Minha irmã me ligou. ‘Wal, vai ao apartamento que Patrick está indo embora e não avisou a ninguém. Os pais dele estavam no Pará e ele ia embora sem avisar a ninguém".

Jogar futebol na Inglaterra
"Eu disse para Patrick não ir para Inglaterra, falei para ir para Portugal porque lá seria melhor para ele. Tanto pelo idioma, como pelo fato de ter muito brasileiro, que ele poderia se entrosar, se adaptar mais fácil. Além disso, o clima é melhor que o de Londres, que é mais frio. Apesar dele dominar bem o inglês. Como fui jogador, eu tinha um noção do que era mais fácil e mais difícil para ele na questão cultural. De como entrar no futebol, porque o futebol inglês é muito mais complicado de se entrar. E eu disse para ele que não fosse para Londres por isso. Mas o sonho dele era Londres. Jogar no Chelsea, no Manchester City, no Manchester United, mesmo esses dois não sendo de Londres, sendo em Manchester, ficam próximos a Londres. Até mesmo Londres tem muitos clubes, são mais de 400 clubes por ali. E ele disse ‘tio, é melhor para mim porque tem mais clube, eu já dei uma sondada’. Então falei com alguns amigos meus de Londres, para ajudá-lo, mas ele teve um problema de joelho. Não sei se foi o frio, ou se foi ele fazendo treinamentos lugares duros, acabou machucando o joelho. Mas ainda conseguiu ficar um bom tempo por lá. Viu que não ia dar certo, que não ia conseguir se adaptar, aí eu mandei ir para Portugal, que eu tenho amigos em Portugal que vão te ajudar. Então ele foi para a Ilha da Madeira, na Funchal, uma ilha muito famosa. Ele foi, uns amigos meus colocaram ele em um clube, ele treinou, mas o joelho voltou a doer e atrapalhou. E ele se desesperava, porque ele queria ser jogador e via que o sonho ia complicando por conta do joelho. Ele era um garoto jovem, com 18 anos, um metro e oitenta, talvez um pouco mais, uma estatura boa. Tinha qualidade para chegar, tinha chance, mas o joelho atrapalhava".

Adaptação de Patrick na Europa
"Várias vezes conversei com Marcos, até conversei com Patrick também. E era difícil se encaixar, porque, assim, como ele estava com o joelho machucado, não podia treinar nada de futebol, então ele [Patrick] queria arranjar um trabalho para tanto poder ocupar a mente, quanto ganhar o seu dinheiro, porque não queria estar sempre dependendo dos pais. Porque os pais dele sempre mandavam dinheiro. Ele queria ter o seu dinheiro para se sustentar. Marcos tentou conseguir alguns trabalhos para ele, mas era muito difícil por ele não ter a documentação. As empresas de lá não contratam se você não tiver um documento, porque se for pego na fiscalização toma uma multa muito grande. Mas mesmo assim, Marcos ainda conseguiu por alguns dias, ele trabalhar no restaurante onde Marcos trabalhava. Para que ele ganhasse um extra e ocupasse sua mente. Para que não ficasse o dia todo com a mente vazia dentro de casa. Marcos fez o que pôde, deu o seu o melhor a Patrick. Tenho relatos do meu irmão [Marcos] de que Patrick mudou muito quando foi morar na Europa. Essa mudança a gente não sabia qual era essa mudança".

Patrick passa a morar com Marcos
"Eu perguntei como estava a situação e ele disse ‘tio, está ruim, não estou gostando mais daqui. Meu joelho não está dando, eu não estou conseguindo nada. Eu preciso fazer um tratamento de joelho e eu não quero ficar em Portugal’. E foi aí onde começou toda a tragédia. Eu disse ‘Marcos, Patrick está aí, em Portugal, por favor, dá uma ajuda a ele. Aluga uma habitação, arranja um local para ele, que fique perto de você, porque assim ele vai ficar mais protegido, mais fácil de se comunicar e Soraia vai ficar mais confortável. Soraia é minha irmã e mãe dele [Patrick]. E Marcos disse, ‘Wal, pode vir. Patrick é meu sobrinho. Eu o amo, faço isso por ele, por minha irmã, pelo meu cunhado, pela minha família. Pode mandar ele vir. Então falei que ia mandar Patrick entrar em contato com ele. Passei o telefone de Marcos, Patrick ligou e os dois se encontraram. Viveram quatro meses juntos. E dentro desses quatro meses, ele criou coisas na cabeça dele que só Deus sabe. Criou raiva do meu irmão e sua família ao ponto de matá-los. Porque nada justifica. O meu irmão o recebeu em sua casa. Se meu irmão não quisesse ele, não quisesse ajudar, não o receberia. Não me justifica nada que ele [Patrick] venha a argumentar, porque meu irmão ajudou em tudo. Como é que ele poderia chegar a Madri se ele não conhecia ninguém? Como ele ia conseguir alugar uma casa? Marcos foi quem apresentou ele a tudo em Madrid".

Fonte:http://g1.globo.com

 

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